As Vrias Faces de Ingmar Bergman

O cineasta sueco Ingmar Bergman ter seu centenrio de nascimento comemorado no prximo dia 14 de julho

13/06/2018 15:22 Por Eron Duarte Fagundes
As Várias Faces de Ingmar Bergman

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Pré-escrito: O cineasta sueco Ingmar Bergman terá seu centenário de nascimento comemorado no próximo dia 14 de julho. O texto que segue nasceu da revisão recente de dois de seus filmes característicos de fases distantes de sua filmografia. Não deixa de ser minha homenagem a um dos artistas que mais me encantaram nos escaninhos de meu pensamento estético.

 

O gigantismo estético do cineasta sueco Ingmar Bergman frequentemente dificulta a apreciação daquilo que ele tem de mais genuíno. Sua grande habilidade para compor e entrecruzar imagens, criando uma expressividade visual-dramática que é única no mundo do cinema. Nada mais simples. E também nada mais perigoso de se definir.

Depois de tantos anos vendo e revendo filmes de Bergman nas telas pequenas,  decidi ir a um programa duplo na Sala Redenção, em Porto Alegre, para redegustar dois clássicos do realizador, Face a face (1976) e Na presença de um palhaço (1997). Ambos foram inicialmente feitos para exibições televisivas, mas com intenções finais diversas e em contextos de sua filmografia bastante diferentes. Face a face estava no fogo da paixão cinematográfica do cinema de Bergman: sua atividade fílmica ainda seguia um ritmo forte, vigoroso. Na presença de um palhaço tinha como objetivo inicial e final a televisão (foi exibido na TV e em VHS por aqui com o título de O mundo de luz e sombra). Face a face foi parar facilmente nos cinemas. Na presença de um palhaço, nem tanto: afinal, Bergman decretara sua aposentadoria cinematográfica com Fanny e Alexandre (1982). Mas ambos os filmes são demonstrações daquela capacidade de Bergman para criar um universo cinematográfico que tanto apaixona seus espectadores cativos e ao mesmo tempo perturba a existência duma apreciação racional e distanciada de seus feitos fílmicos.

Face a face e Na presença de um palhaço são obras diferentes e próximas.

Face a face (Ansikte mot ansikte) pertence à fase psicanalítica do realizador nórdico. No texto-roteiro Bergman  anotou: “Acho que tenho vivido há bastante tempo com uma angústia que nunca teve, verdadeiramente, razão de ser. Tem sido como se estivesse com dor de dente, sem que o médico consciencioso e amigo pudesse encontrar qualquer coisa de errado, nem no dente, nem na pessoa.” Face a face é um pouco a expressão estética da dor de dente da alma que ataca o indivíduo Bergman. É, talvez, o mais exasperado de seus filmes; é o filme de uma atriz, Liv Ullman, cuja neurose de interpretar chega a seu paroxismo aqui: o assistente pode misturar, ao longo da projeção, boas doses de encanto e fastio, atingindo pontos de amor e irritação com sua intérprete e seu diretor.

Face a face começa com uma cena numa clínica psiquiátrica em que Jenny, a personagem de Liv, atende uma paciente. Depois envereda pela casa dos avós maternos de Jenny, onde as perturbações de infância dela trazem à luz os conceitos psicanalíticos. A aventura fantasmática de Bergman produz atmosferas de filmes de horror; Face a face, por suas inconstâncias, variações de gênero e outras deduções, representa na filmografia de Bergman o que Julieta dos espíritos (1965) representa na trajetória do italiano Federico Fellini: indefinições e presenças.

Jenny atravessa seu calvário. Tenta matar-se. Vai parar numa clínica, ao final, em que agora ela é a paciente. Os fantasmas da residência dos avós a transformam, ou puxam sua alma. Liv grita bastante em cena. Seu rosto diante da câmara de Bergman é suficientemente ameaçador para nos pôr a pensar, como quer o diretor. Os rostos sempre fascinaram Bergman. Ele fez um filme com este título: O rosto (1958). E há Persona 91966), que quer dizer máscara, ou a imagem disfarçada do rosto. O rosto de Liv em Face a face é uma das crueldades estéticas mais extasiantes do cineasta. Nem a conversa falsamente doce e ocultamente em tom de ameaça de Jenny com a filha salvam Face a face de suas estridências.

Na presença de um palhaço (Larnar och gör sig till), rodado na fase pós-cinema de Bergman, é um dos pontos altos do cinema feito na última década do século XX. Como Face a face, Na presença de um palhaço abre numa clínica psiquiátrica. Diversamente, aqui o protagonista é o paciente. Carl Akerblom, diretor de cinema, está internado, depois de ter tentado matar sua namorada, ou companheira. Após a alta hospitalar, Carl se empenha em fazer um filme sobre o compositor Franz Schubert; centra-se no caso de Schubert com uma prostituta virgem (sic), e quem viverá esta mulher ignota na vida de Schubert é a namorada de Carl, que, está claro, interpretará Franz. O primitivismo cinematográfico é observado pelos requintes de Bergman: as marcações ainda toscas, os diálogos ingênuos, as dublagens ao vivo, a pianista de acompanhamento.

Na presença de um palhaço usa como refrão visual um palhaço quase silencioso que aparece nas primeiras imagens na clínica espiando a personagem e vai intersticialmente assomar em alguns quadros para dialogar criticamente com a imagem, a situação, os seres em cena. Este gosto de Bergman pelo saltimbanco é antigo, desde Noites de circo (1953); mas é bastante diferente do mesmo gosto em Fellini, em Bergman é mais introspectivo e secreto.

No fim do filme, após o filme dentro do filme, após as recepções ao filme dentro do filme, Carl e sua companheira conversam, se exasperam um com o outro na cena final, ele ameaça cortar os pulsos com uma tesoura, a câmara interrompe a ação da tesoura cortando para a perplexidade do rosto da mulher, então ele, cansado, se deita no chão, ela vai para cima dele e ambos se abraçam ali deitados, ela em cima, a câmara afasta-se para uma posição aérea.

O cenário de uma folhagem e um aparelho telefônico em Face a face é preenchido pelos sentimentos neuróticos. O cenário duro de Na presença de um palhaço é recoberto pelas emoções o mais das vezes estéticas e refinadas das criaturas. Experiências bergmanianas que podem levar o observador ao delírio. Sem as loucuras de Jenny e Carl: substituições somente.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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