Deus e o Diabo na Terra das Sombras

O sombrio expressionista a que o cinema do sueco Ingmar Bergman sempre aspirou, atinge sua elaboracao mais radical e fechada em O s?timo selo

18/03/2020 14:00 Por Eron Duarte Fagundes
Deus e o Diabo na Terra das Sombras

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O sombrio expressionista a que o cinema do sueco Ingmar Bergman sempre aspirou, atinge sua elaboração mais radical e fechada em O sétimo selo (Der Sjunde Inseglet; 1956). É a reflexão sobre a morte mais visualmente direta e forte que Bergman jogou na tela. Conquanto esta reflexão (objetiva, sincera, às vezes demasiadamente ingênua e sem as curvas daquelas meditações religiosas do francês Robert Bresson) contenha seu quê de metáfora: O sétimo selo é uma aguda e feroz parábola medieval; pintores da Idade Média que retrataram o fenômeno da peste, da dor, do luto inspiraram a Bergman e a seu fotógrafo para montar a narrativa visual de seu filme.

Sabe-se que naquele fim da década de 50 Bergman estava num de seus cumes. Se O sétimo selo tratava da perplexidade diante da finitude do ser, a obra-prima seguinte, Morangos silvestres (1958; nota: há uma cena em O sétimo selo em que as personagens comem faceiras morangos silvestres), igualmente é um debruçar-se sobre a morte ao verter em imagens a trajetória de consciência dum velho médico; embora os questionamentos desesperados do cavaleiro medieval para a figura lívida da Morte e para a feiticeira queimada (Você viu o Diabo? Queria falar com ele para saber de Deus.) se assemelhem mais aos transes de A fonte da donzela (1959), em que um pai lança sua ira a Deus diante do estupro e da morte de sua virgem filha.

A dureza nórdica de linhas de O sétimo selo mantém com o espectador um diálogo distanciado. O jeito de filmar de Bergman é rigoroso e pensado. Sua inserção duma apurada filosofia que discute a religiosidade e o ateísmo é algo perturbador para o espetáculo cinematográfico, ainda mais quando rodada com a ausência de concessões que o cineasta se impõe; tudo, da fundamentada direção de atores à materialização da iluminação passando pelas marcações das falas, é feito com uma grandeza que apaixona constantemente em O sétimo selo.

Lado a lado com sua metafísica intelectual, Bergman atira em cena os atores ambulantes que, naquela década, eram presenças habituais em seus filmes: Noites de circo (1953) e O rosto (1958), por exemplo. É a luz do casal simples de atores itinerantes, com seu pequeno filho, que vai circundar de longe o passeio das outras personagens comandadas pela Morte numa fantasia surrealista bastante expressiva; mas esta tênue luz é insuficiente para vencer as sombras deste cenário da peleja entre Deus e o Diabo.

Homem culto do Ocidente, Bergman mistura certas coisas que vêm do escritor russo Dostoievski e chegam aos dilemas e impasses do autor tcheco Franz Kafka. Quando a Morte começa a cortar a árvore em que está trepado um ator ( a árvore da vida?), este ator lhe pergunta: Não há perdão especial para os atores? Alguma exceção? Algo que se possa objetar? É o que faz K. no cabo de O processo, o romance-absurdo de Kafka. E o misticismo de Dostoievski passa a ser uma sombra em todos os navegantes da alma depois dele.

Numa filmografia repleta de obras-primas como a de Bergman, destacar O sétimo selo entre as mais elevadas pode ser uma opção pessoal: mas é revelador de que ali estão contidos os traços formais e temáticos básicos em que o cineasta fundou sua estética cinematográfica.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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