José Geraldo, O Território das Letras
Território humano é o mais autobiográfico dos romances de José Geraldo (conquanto todos o sejam um pouco)


Segundo me disse certa vez o falecido intelectual gaúcho Décio Freitas, o romancista brasileiro José Geraldo Vieira foi muito lido dos anos 40 aos anos 60 do século passado. Embora, anoto eu, sua linguagem nunca tenha sido pensada para o grande público: é uma linguagem que não teme nem o vocabulário complicado nem as tergiversações sintáticas inusuais. Hoje José Geraldo é praticamente ignorado: e já faz décadas. Mas o contato com sua literatura provoca em mim a mesma paixão das primeiras vezes, daquele final dos anos 70 em que o descobri. Território humano (1936) pode ser irregular e dispersivo como estrutura romanesca, como geralmente acabam (uns mais, outros menos) todos os romances de José Geraldo, mas a energia fantástica de sua linguagem vai por caminhos tão extraordinariamente poéticos que transformam o conjunto de palavras do livro numa autêntica obra-prima.
É preciso acima de tudo gostar muito de literatura para apreciar um texto como o de Território humano; não basta o apreço distanciado e primitivo, necessita-se de algo mais visceral, de um contato mais carnal com o verbo em seu estado latente. José Geraldo não teme os voos que a literatura lhe proporciona; à custa do tédio de muitos e do êxtase de alguns poucos, Território humano é na verdade um território de palavras e de construções sintáticas; a linguagem como ideia está inteira novamente como é habitual em José Geraldo. O único brasileiro de nossos dias que em determinada época chegou a aproximar-se deste texto exigente e cerebral foi o gaúcho Juremir Machado da Silva; basta reler Cai a noite sobre Palomas (1995) para comparar. São dois autores que não têm medo da literatura, que não escrevem como se estivessem pedindo desculpas porque a literatura não é a fotografia da vida. É claro que o Juremir dos últimos livros tem uma proximidade adaptativa maior ao público; mas, felizmente, não é tanto quanto ele próprio gostaria.
Território humano é o mais autobiográfico dos romances de José Geraldo (conquanto todos o sejam um pouco). O protagonista chama-se José; e o romance é a própria vida de José Geraldo, só que narrado em terceira pessoa, o que facilita a alteração (afastamento) deste processo de identificação-desindentificação.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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