O Homem do Seu Tempo Para Alem do Tempo

William Makepeace Tackeray eh um escritor caracteristicamente ingles do seculo XIX

05/09/2019 14:23 Por Eron Duarte Fagundes
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William Makepeace Tackeray é um escritor caracteristicamente inglês do século XIX. Nascido na Índia de família britânica, foi enviado por sua mãe para a Inglaterra para ser criado por parentas quando tinha quatro anos e lhe tinha morrido o pai, tendo a mãe optado por entregar-se a uma relação com um ex-amante, esquecendo-se do filho. Talvez as experiências da primeira infância tenham determinado a ironia e a maldade atrozes da visão de mundo do escritor Tackeray.

O estilo inglês do autor, numa espécie de crônica de época, pode parecer monocórdia para alguns, o que levou homens ilustres do século XX, como o francês Jean-Claude Carrière e o italiano Umberto Eco, a ditarem por enfadonho o jeito literário de Tackeray, em Não contem com o fim do livro, um livro-entrevista de Carrière e Eco. É uma perspectiva e um foco, mas se o leitor ajeitar bem a lente poderá ver em O livro dos esnobes, escrito por um deles (The book of snobs, by one themselves; 1846), mesmo que o endereçamento ferino de suas observações sobre os comportamentos da sociedade inglesa date acentuadamente do século XIX e deva ter divertido muito mais os contemporâneos de Tackeray, um panorama de época arguto, minucioso, escrito com a elegância, a inteligência, a perversidade e a verve de um dos mestres da prosa internacional.

Num tempo de lambe-sacos e numa sociedade moralmente engessada, só mesmo os traumas e os abandonos infantis de Tackeray poderiam explicar o surgimento de alguém como ele, desbocado e irreverente, um soco no estômago social não tão obsceno quanto aquele do genial francês François Rabelais porém igualmente contundente e provocador de inundações ideológicas. Senão, quem teria a audácia de escrever assim sobre um rei: “Um homem não deixa de ser tolo, por mais velho que seja, e Sir George é mais asno aos sessenta e oito anos do que era quando entrou para o exército, aos quinze.” Muito mais do que o brasileiro Paulo Francis, o cronista nacional do século XX, Tackeray lança bombas de inegável acuidade literária sobre o meio cortesão, cutucando, excitando a raiva dos outros, um autêntico provocador, um ser para o qual muitas vezes não estamos preparados embora dele necessitamos para o crescimento intelectual. “Estou farto das Notícias da corte”, escreve Tackeray no fim do livro. “Detesto a inteligência haut on. Creio que palavras como Elegante, Exclusivo, Aristocrático e semelhantes sejam epítetos, malvados e anticristãos, que deviam ser banidos dos vocabulários honestos.” O rigor de crítica sociológica de Tackeray abole a si mesmo, o esnobe que escreve, Elegante, Exclusivo, Aristocrático, inteligente haut on. Abolindo o que escreve, abole o que escreve sobre o que escreve, ou seja, este texto crítico, o esnobe que pensa que pensa. “Você que despreza seu vizinho é um esnobe; você que esquece seus amigos para seguir torpemente aqueles de nível mais alto é um esnobe; você que se envergonha de sua pobreza e cora por causa de seu ofício é um esnobe; assim como o são vocês que se jactam de sua linhagem ou que sentem orgulho da própria riqueza.” Somente um autor inglês do século XIX, com o instrumental da época e a alta precisão de seu gênio, poderia traçar tal geografia do esnobismo, válido para sempre. Escrito inicialmente como crônicas para jornais, O livro dos esnobes se fragmenta mas sua estrutura  em livro não expõe a ossatura, a fragmentação de linguagem é juntada de maneira inteiriça e coordenada. Inegavelmente um evento da estética britânica em qualquer época.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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