A Louca Mente de Althusser
E possivel ler Ideologia e aparelhos ideologicos de Estado sem debrucar-se sobre os pontos tragicos da vida de Louis Althusser?


O filósofo francês Louis Althusser nasceu na Argélia em 1918. Morreu em Paris em 1990, na reclusão, depois de ter passado algum tempo em clínica psiquiátrica. Em 1980 deu-se o episódio mais cortante de sua vida, o que determina um pouco uma luz negra sobre sua assombrosa filosofia: ao ter um surto, de que não se lembraria depois, estrangulou sua companheira Hélène Dytmann; contaria ele que estava massageando o pescoço de sua mulher e de repente deu-se conta que a tinha matado.
O opúsculo Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado; notas para uma pesquisa (Idéologie et apareils idéologiques d’État; notes pour une recherche; 1970) é um de seus livros-chave e uma releitura crítica de alguns postulados marxistas. Althusser põe o economista (qualquer um, inclusive Marx) quase como um sinônimo de capitalista. Vivendo no seio do mundo do capital, é problemático pôr-se economicamente à margem e ver as coisas com o distanciamento científico outrora pretendido por Marx. “Le premier économiste venu qui, en cela, ne distingue pas du premier capitaliste venu sait qu’il faut prévoir, chaque année, de quoi remplacer ce qui s’épuise ou s’use dnas la production: matière première, installations fixes (bâtiments), instruments de productions (machines), etc. Nous disons: le premier économiste venu=le premier capitaliste venu” (“O economista primevo que, nisto, não se distingue do capitalista primevo, diz que é preciso prever, a cada ano, o que mudar naquilo que se esgota ou se usa na produção: matéria-prima, instalações fixas (edifícios), instrumentos de produções (máquinas) etc. Dizemos: o primeiro economista=o primeiro capitalista.”).
Althusser usa a metáfora do edifício para caracterizar o arcabouço da mente econômica de Marx, que navegava entre as superestruturas (religião, moral) e a infraestrutura (o sistema econômico). “La métaphore de l’édifice a donc pour objet de représenter avant tout la détermination en derniére instance pour la base économique.” (“A metáfora do edifício tem então por objeto representar antes de tudo a determinação em última instância para a base econômica.”).
Althusser faz a crítica da ideologia de Marx. Para o francês a ideologia não são sonhos vãos, resíduos noturnos, como queria Marx. Ela nasce duma história, “dans la lutte des classes: de leurs conditions d’existence, de leurs pratiques, de leurs expériences de lutte, etc.” (“na luta de classes: de suas condições de existência, de suas práticas, de suas experiências de luta, etc.”). Então: “je crois pouvoir soutenir que les idéologies ont une histoire” (“eu creio poder sustentar que as ideologias têm uma história”).
Althusser, o paranoico delirante, o homem que sem perceber estrangulou sua companheira massageando-lhe o pescoço, tenta pôr a ideologia fora das loucuras oníricas dos homens e dar-lhe alguma cientificidade concreta. É possível ler Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado sem debruçar-se sobre os pontos trágicos da vida de Louis Althusser?
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

relacionados
últimas matérias




