Scorsese, ou a Generosidade das Ideias Sobre Cinema
Conversas com Scorsese revela o proprio cinema na mente giratoria perturbadora de Scorsese
(Nota: o texto que segue foi escrito originalmente em 2012; daí a referência à Invenção de Hugo Cabret como o mais recente filme de Scorsese)
Concebido mais ou menos com a estrutura das conversas cinematográficas que o cineasta e crítico francês François Truffaut teve com o cineasta inglês Alfred Hitchcock e as editou em um livro clássico, Conversas com Scorsese (Conversation with Scorsese; 2010), do jornalista americano Richard Schickel, é um belo panorama do cinema em si a partir da visão dos filmes de um dos mais brilhantes realizadores produzidos por Hollywood; exercido como um exercício intelectual ativo e vivo entre dois homens de cinema interessadíssimos, o ensaísta Schickel e o diretor Martin Scorsese, Conversas com Scorsese revela o próprio cinema (ou a própria paixão do cinema) na mente giratória perturbadora de Scorsese.
Schickel começa na introdução de seu livro com uma ironia para apor sua personalidade à de Scorsese: “Formamos um estranho casal”, anota o escritor, referindo-se às diferenças de formação dele e de Scorsese. E a partir dali, e logo nas variadas conversações que se derramam sobre o livro, logo se vê que a vida de Scorsese é o cinema; como todo cinéfilo, Scorsese não existe sem o cinema, o cinema é a própria vida sendo maior que a vida, é a vida em transbordamento. Conversas com Scorsese é a história da paixão de dois homens por um objeto, o objeto cinematográfico; no caso de Scorsese, esta paixão se funde agora na mente do espectador-leitor com a visão nas salas de cinema de seu mais recente filme, A invenção de Hugo Cabret (2011), um hino de amor cinematográfico.
Para os admiradores de Scorsese, e que frequentam também um cinema tão diferente do dele, é curioso acompanhar a lucidez das autorreflexões do cineasta. Por exemplo: quando ele diz que não entende tudo o que há no cinema do alemão Rainer Werner Fassbinder, embora ali admire certas coisas, mas não é este tipo de indivíduo. Por exemplo: a obsessão de Scorsese por A aventura (1959), do italiano Michelangelo Antonioni, revelando “sempre tentei captar o que Antonioni captava, mas nunca consegui. Simplesmente tenho uma sensibilidade completamente diferente. Não consigo nem chegar perto daquilo.”; é como se Motorista de táxi (1976) fosse esta tentativa à Antonioni que não deu certo e gerou Scorsese: ainda bem —basta de imitadores do cinema europeu na América!
O que se descobre lendo Conversas com Scorsese é que Scorsese como rato de cinemateca típico dos anos 60 e 70 é tão bom quanto como criador cinematográfico.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br