A Narrativa Historica a Brasileira
Avante, Soldados: Para Tras trata de individuos que se movem livremente na mente de quem os cria, ao correr da pena
O elemento histórico é essencial em Avante, soldados: para trás (1992), de Deonísio da Silva. Mas a aventura literária de Deonísio não se resume a este elemento. Partindo dum desastrado (para o Brasil) episódio da Guerra do Paraguai, cognominado Retirada de Laguna, e que já foi tratado numa obra clássica de Visconde de Taunay, Avante, soldados: para trás propõe uma relação mais livre entre literatura e história que um manual rigoroso das coisas como se passaram.
É uma ficção que é, antes de tudo, um exercício de linguagem. Desde o paradoxo de seu título. “Sabemos pouco do que se passa no Paraguai, mas avançamos. No começo pensamos que os chefes deliberadamente nos desinformavam, mas agora já percebemos que nem eles têm ideia da exata extensão do país que querem invadir.” Começa pela trapalhada geográfica. É o dado inicial que chama a atenção. “Vejo o visconde à sombra, escarrapachado. O francês cansa demais.” O escritor, o visconde, aparece como personagem. Mas quem narra o livro de Deonísio é também um escritor, também um soldado, aqui convertido numa espécie de repórter bélico.
Avante, soldados: para trás trata de indivíduos que se movem livremente na mente de quem os cria, ao correr da pena. Não se amarram necessariamente aos episódios que vão reproduzidos. Mas há, de maneira quase matemática, as marcações históricas: “O local é um pouco antes de Machorra. Tudo aconteceu a 11 de maio de 1867. Dia inesquecível.” O texto de Deonísio é o mais das vezes seco, fugindo mesmo à emoção das cenas. Conhecedor exímio das palavras, Deonísio faz de seu livro, cuja leitura ainda conserva este prazer de ler, um exercício com o texto mais que com os fatos nos quais se debruça. “Seguíamos em meio à macega quando a infantaria paraguaia nos atacou. A linguagem militar tem seus mistérios. Etimologicamente, infante significa criança. No campo de batalha, infante é quem não está a cavalo. As crianças vieram para cima de nós, apoiadas pela cavalaria, ousada, destemida, como sempre. Quando nossas linhas de atiradores deram por si, centauros de sabre e cutelo desabaram sobre nossas tropas fazendo o maior estrago.”
Menos um ficcionista capaz das grandes pulsões literárias, mais um cultor dum rigor formal que leva a um belo texto, Deonísio talvez busque, em Avante, soldados: para trás, aquilo que, na literatura brasileira, atingiu a perfeição com Graciliano Ramos: exercitar uma tensão sintática entre as palavras que justifiquem e aprofundem a criação de uma estrutura romanesca.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br