Os Intelectuais Europeus dos Anos 70 por Scola
Em O Terraco o centro da acao vai ser sempre o dito jantar de encontros
Se não fosse anacronismo, se diria que o cineasta italiano Ettore Scola fez seu filme O terraço (La terrazza; 1980) sob o impacto da leitura de O conformismo dos intelectuais (2013), um ensaio devastador do francês Michel Maffesoli em torno do universo intelectual europeu nos séculos XX e XXI. O foco da narrativa de Scola são os homens cultos da Itália e da Europa na década de 70, o vazio que se incorporava ao pensamento pela ausência de sentido de palavras reiterativas. No começo de seu livro, Maffesoli exclama que não dá mais para aguentar tamanha verborragia. Em seu filme Scola põe a falação dos bem-pensantes da sociedade italiana na roda cômica; e o humor do cineasta tão crítico quanto feroz, e sua criatividade cinematográfica, naquele momento, era espantosa, produzindo um espetáculo transbordante, sanguíneo, italianíssimo e sofisticado.
Feito logo depois do ponto alto de seu cinema, Um dia muito especial (1977: inclusive o fotógrafo Pasqualino De Santis é o mesmo dos dois filmes) e pouco antes de Paixão de amor (1981), Casanova e a revolução (1982) e O baile (1983), outros momentos inspiradíssimos da arte de Scola, O terraço utiliza o cenário dum jantar numa mansão da aristocracia italiana para expor um grupo de personagens que caracterizam fatias da elite peninsular que o realizador quer devastar com sua câmara; muitos anos depois, em O jantar (1998), ambientado num outro jantar, porém num restaurante, Scola pretendia fazer algo, mas seu cinema já caíra no ranço maneirista, acadêmico em sua estrutura, sem o viço de seus bons anos (creio mesmo que depois de Splendor, 1989, seu cinema nunca mais tornou à sua forma mais inventiva, perdeu o gás).
Em O terraço o centro da ação vai ser sempre o dito jantar de encontros. A cena é repetida a cada vez que uma das personagens vai formar o capítulo de interesse: o primeiro plano duma mulher anuncia que o jantar está pronto e pede aos convivas que se aproximem; a cada reinício, esta cena e outras do jantar são repostas na montagem, como em O anjo exterminador (1962), de Luís Buñuel, e Elisa, vida minha (1977), de Carlos Saura. Acompanhando a cada reinício o jantar central, o filme se espalha para outros cenários e excertos onde identifica os dilemas e as contradições de suas criaturas, vivendo os dramas humanos de sempre mas incrustados em sua época. De certa maneira, O terraço retoma algo da narrativa rebuscada de Nós que nos amávamos tanto (1974).
Demais, o elenco é estupendo e está notavelmente adequado cada um a seus papéis, sem estrelismos fáceis, com absoluta concentração interpretativa. O único intérprete não-italiano, o francês Jean-Louis Trintignant, ainda que dublado pelo italiano Francesco Carnelutti, não deixa de escorrer com naturalidade pela narrativa, harmonizando-se bem com seus pares.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br