Dois Filmes nas Sombras do Sentimentalismo Intelectual

Sentimentais e intelectuais, A sombra de duas mulheres e O dia depois s?o pe?as escassas do cinema de hoje, geralmente turbulento, geralmente vulgar.

21/06/2019 04:25 Por Eron Duarte Fagundes
Dois Filmes nas Sombras do Sentimentalismo Intelectual

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Dois dos principais filmes lançados em tempos recentes em Porto Alegre se põem dentro dum anacronismo de filmar que pode seduzir o espectador em busca de atmosferas cinematográficas que fujam aos padrões das narrativas costumeiramente vistas nos cinemas.

O francês Philippe Garrel dá-nos um de seus mais agudos e belos trabalhos em À sombra de duas mulheres (L’ombre des femmes; 2015). Filmado em preto-e-branco, concebido com um compasso fílmico que em alguns momentos chega ao êxtase, À sombra de duas mulheres põe em cena um casal de documentaristas, Pierre e Manon, em suas atividades profissionais e em seu relacionamento; narrado quase como um romance filmado, um pouco à maneira do francês Eric Rohmer, o filme traz a voz do filho do cineasta, Louis Garrel, para compor um narrador-over, que interliga com palavras as imagens, um pouco como fazia, em plena elegância, outro francês, François Truffaut, em Duas inglesas e o amor (1971). Ao introduzir uma segunda mulher, Elizabeth, Garrel torna complexo o jogo amoroso trivial por um estilo refinado de filmar. A experiência de Manon com um amante agudiza a trama sentimental de À sombra de duas mulheres.

O título original francês é “a sombra das mulheres”, um artigo, sem preposição, sem crase. E a realização é bem isto: uma meditação sobre as sombras que as mulheres podem deixar sobre um homem. Ainda que, no fim, seu amor para com a esposa se recomponha. Depois do modorrento Amantes por um dia (2017), é bom poder deparar com um Garrel anterior, mais solto, mais plasticamente deslumbrante. Cabe ainda saudar a presença nos créditos do roteirista Jean-Claude Carrière.

O sul-coreano Sang-Soo Hong surpreende em O dia depois (Geu-Hu; 2017). Se o filme dele anteriormente conhecido, A visitante francesa (2012), parecia mais o veículo para o estrelato da francesa Isabelle Huppert, este O dia depois revela um autor consciente de seu poder com a imagem. Filmado em preto-branco, como À sombra de duas mulheres, tem uma encenação plástica particular. Se no filme de Garrel eram duas mulheres, aqui o problema é com três mulheres, embora com uma delas não haja relação carnal.

O dia depois é, provavelmente, o mais rohmeriano dos filmes orientais. Longos planos fixos acompanham de perfil os diálogos das personagens, e nestes diálogos se misturam as banalidades sentimentais com questionamentos mais filosóficos. A sombra de Eric Rohmer é uma presença forte em O dia depois. Um dono duma editora rompe com sua secretária e amante e recebe uma nova secretária. Ao mesmo tempo em que sua esposa descobre seu caso e vai ao escritório e pensa que a nova secretária é que é a amante. As tensões amorosas se enovelam. Mas no novelo assomam também reflexões mais elaboradas. O realizador é, igualmente, sutil em algumas insinuações intelectuais: em várias cenas os diálogos são acompanhados, no fundo do plano, que se passa no escritório da editora, por dois retratos de escritores clássicos: o francês Honoré de Balzac e o russo Fiódor Dostoievski.

Sentimentais e intelectuais, À sombra de duas mulheres e O dia depois são peças escassas do cinema de hoje, geralmente turbulento, geralmente vulgar. Como uma espécie de plástica cinematográfica de câmara, estes dois filmes se movem com delicadeza e quase em silêncio para topar seu espaço no mundo do cinema.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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