O Texto Cinematográfico de André Téchiné
Enfim, se descobre que o melhor do realizador francês André Téchiné pode ter estado em seus inícios
Enfim, se descobre que o melhor do realizador francês André Téchiné pode ter estado em seus inícios. As irmãs Brontë (Les soeurs Brontë; 1979) é o quarto filme de Téchiné e permanecia inédito por aqui (sabe-se que há alguns anos a Versátil o lançou em dvd); pois é justamente onde todas as virtudes do cineasta, centradas numa fusão de sensibilidade e rigor, atingem seu cume, ou ponto exato. É uma preciosidade de construção cinematográfica poucas vezes vista.
Saído das páginas de crítica de cinema, como muitos diretores franceses pelo menos desde a nouvelle vague, Téchiné nunca ocultou as origens literárias de seu cinema. Origens que em As irmãs Brontë se assoberbam, desde seu tema. Mas em momento algum esta feição letrada (ou afeição às letras) perturba o senso fílmico da narrativa, que é conduzido com rigor para chegar à sensibilidade do espectador. É algo tão intelectual quanto epidérmico, em frases e imagens. Téchiné evita o mofo e o anacronismo, mesmo tratando de coisas antigas. A modernidade de sua proposta sobrevive passadas tantas décadas; As irmãs Brontë certamente produz hoje o mesmo encantamento de ver que era possível no fim da década de 70 do século passado.
No filme o que se estabelece na verdade é a paixão de leitor de Téchiné. A paixão de um diretor de cinema que, provavelmente antes de ver filmes, leu os livros das irmãs inglesas. Emily, a mais famosa na atualidade, Anne, a mais obscura para sempre, e Charlotte, a única que não sucumbiu cedo às doenças da época e luziu como estrela nos salões sócio-literários do século dezenove, na província e em Londres. Téchiné age um pouco como um analista de literatura, um pouco como um narrador em imagens que espia certos mistérios do passado. E acaba emprestando a Emily, Anne e Charlotte as juventudes de três grandes intérpretes francesas, então no apogeu: Isabelle Adjani, marcada ainda pelas demências da Adèle H. de François Truffaut, é a abissal Emily; Isabelle Huppert, exibindo as sobras melancólicas das pintas na face da garota simplória do amor frágil do suíço Claude Goretta, é a esquiva Anne; e Marie-France Pisier, a menos badalada das atrizes, é todavia a badalada Charlotte, que em sua época contracenou na sociedade britânica com o escritor sofisticado e urbano William Tackeray (caracterizado no filme pela aparição do filósofo Roland Barthes, amigo e incentivador de Téchiné) e hoje, como sua irmã Anne, e apesar das qualidades particulares, é vista um tanto à sombra de Emily, a dos morros uivantes.
Téchiné executa a tensão de seus movimentos de câmara por interiores harmoniosamente construídos e exteriores distendidos onde o espectador depara com a reconstrução pela câmara de extensas charnecas a que nem mesmo o horizonte logra dar fim. A Inglaterra rural vivida por três grandes espíritos estéticos é o mundo em que se move o filme As irmãs Brontë, um brinde tanto para o assistente de Téchiné quanto para o leitor das personagens do filme.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br