Infância
Uma história que relembra o melhor de nossa literatura de costumes
Infância
Brasil, 14. Direção de Domingos de Oliveira. Com Fernanda Montenegro, Paulo Betti, Priscilla Rosenbaum, Ricardo Kosoviski, Maria Flor, Nanda Costa, José Roberto Oliveira.
Ano passado quando estávamos selecionando os concorrentes para o Festival de Gramado, nos encantamos com o filme novo de Domingos de Oliveira, que era autobiográfico e relembrava sua infância passada em grande parte na mansão de sua avó em Botafogo (vivida por Fernanda Montenegro, em plena forma)nos anos 1950 no Rio de Janeiro, tratada em termos de comédia nostálgica. E inspirada na sua peça Do Fundo do Lago Escuro. Tinha certeza que seria um grande sucesso mas fiquei decepcionado quando teve mediana repercussão. Mesmo assim ganhou premio especial do Júri (Fernanda), coadjuvante (Betti), roteiro e montagem.
Talvez o júri e publico não tivesse pelo diretor e autor Domingos de Oliveira a mesma afeição que eu que aprendi a admirar sua obra no cinema e no teatro, ao menos desde os tempos de Todas as Mulheres do Mundo e Edu, Coração de Ouro. Na verdade é raro se ver um autor como ele, que conta histórias da vida da gente (com grande enfoque nas mulheres, por quem não esconde a paixão), ultrapassando a comédia de costumes. Sem nunca cair em chanchada vulgar, mesmo que não esconda o olhar crítico que aqui tem sobre sua própria família. Fernanda naturalmente é a figura chave como a viúva Dona Mocinha, que é fã devota do político Carlos Lacerda ( ouve seus discursos inflamados no rádio, fazendo campanha contra a corrupção de Getulio Vargas) e luta para manter o controle da família, que já dá sinais de rebeldia. Toda a história é centrada praticamente num único dia, em que Rodrigo de 8 anos (Domingos é claro, vivido por Raul Guaraná) passa pelas crises de qualquer família: o cachorro de estimação, problemas com empregados, com o genro (Betti, em forma) que tenta esconder dela certas dívidas, com outro filho beberrão (Kosovski), um primo sexualmente avançado.
É verdade que embora não tivesse uma casa de família como essa, eu não deixei de me identificar com a avó mandona e as situações da época (no meu caso, era uma tia que tinha loucura pelo Lacerda) e também o fato de que há muito tempo não vejo (ou mesmo leio) uma história como essa, que relembra o melhor de nossa literatura de costumes. Tomara que outros compartilhem também desse sentimento.
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.