Um Pavao na Cidade de Fellini

Amarcord trata das recordacoes de infancia de Fellini

05/07/2021 03:02 Por Eron Duarte Fagundes
Um Pavao na Cidade de Fellini

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Quase ao final de Amarcord (1973), um dos filmes mais amados rodados pelo italiano Federico Fellini, um pavão pousa na praça nevada da cidade. A câmara de Fellini contempla maravilhada as antenas coloridas do animal; este estado de maravilhar-se é perfeitamente comunicado ao espectador. Fellini é dono de um espetáculo particular, é o dono do espetáculo que é seu filme: o povo simples e bruto da Itália topa nas mãos de Fellini um universo encantador, diferente de tudo o que houve no cinema ao longo dos anos –um estágio avançado e delirante da imagem.

Amarcord é uma das obras-primas mais unânimes do cineasta. Mesmo aqueles observadores que têm dificuldade em aceitar as excentricidades de A doce vida (1960) ou Casanova de Fellini (1976) acabam sendo conquistados por Amarcord. É que, apesar do desequilíbrio de imagem e narrativa que ele propõe como em todos os filmes de Fellini a partir de A doce vida, Amarcord recupera algo da veracidade de tipos e situações que havia em suas realizações até As noites de Cabiria (1957); Amarcord trata das recordações de infância de Fellini, remetendo à mesma Rimini visitada por Os boas vidas (1953); é bem verdade que certos tipos esquisitos e algumas situações vividas por um grupo de jovens vadios se aproximam num e noutro filme, mas uma densa cortina de neve separa o senso do real de Os boas vidas da liberdade mágica de Amarcord. O barroquismo de Amarcord é mais enxuto e menos brutal que o de Casanova de Fellini ou A cidade das mulheres (1980), daí por que sua assimilação pelos observadores menos fellinianos é natural, corre escorreita.

Fellini é um grande filho da mãe, da mãe Itália, mais do que todos os grandes realizadores peninsulares. Apesar do prestígio adquirido junto aos meios intelectuais e de se atirar a linguagens mais sofisticadas como em Oito e meio (1962) e Julieta dos espíritos (1965), Fellini nunca perdeu a raiz popular, comunicativa de seu cinema; ele é o oposto do  sueco Ingmar Bergman, pois o cinema de Fellini é luz e sol enquanto o de Bergman mergulha nas trevas; a origem cinematográfica de Fellini não é intelectual como a do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, mas é uma origem popular, muitas vezes popularesca (o tio louco que sobe a uma árvore no centro do campo e grita para a família que quer uma mulher, as figuras estranhas de professores escolares), que Fellini, com seu gênio criativo, depura, tornando estas origens semivisíveis.

O pavão pousa na cidade de Fellini. A música de Nino Rota convida a um baile entre personagens e espectadores, que finalmente se confundem. Fellini articula a câmara como o maestro de seu filme Ensaio de orquestra (1979). Amarcord é filme para ver, ouvir e dançar.

 

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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