A Gênese do Romance Brasileiro

Há uma intuição: os dois mais importantes romancistas brasileiros são, pela ordem, o cearense José de Alencar e o carioca Machado de Assis

05/04/2016 09:59 Por Eron Duarte Fagundes
A Gênese do Romance Brasileiro

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Há uma intuição: os dois mais importantes romancistas brasileiros são, pela ordem, o cearense José de Alencar e o carioca Machado de Assis. Esta intuição salta das páginas do ensaio Ao vencedor as batatas (1977), escrito pelo pensador brasileiro (nascido na Áustria, como outro grande pensador nosso, Otto Maria Carpeaux) Roberto Schwarz; este ensaio de Schwarz não é, como indicaria seu título, um estudo da obra de Machado de Assis, nem mesmo um estudo dos primeiros romances de Machado, que ele usa como pretexto para seu assunto central. Schwarz, com rigor, desembaraço e profundidade, se detém em alguns livros de José de Alencar e na primeira literatura de Machado de Assis para desbravar como se deu a formação do romance brasileiro e que, bem ou mal, é o que nos influencia até hoje e pode estar determinando os limites da própria literatura brasileira; o leitor moderno, avesso à retórica alencarina vazada em obras como Iracema ou Senhora, desconfiado da tibiez machadiana de romances como Helena ou Iaiá Garcia, se pergunta inevitavelmente: porque um espírito agudo e engenhoso como o de Schwarz dedica longas e minuciosas páginas a obras definitivamente medíocres e superadas? Quem sabe em sua mediocridade estes textos ainda não foram superados; quem sabe a literatura brasileira ainda deve estar chafurdando neles; talvez o gosto do público ainda não os tenha ultrapassado, volta e meia deparo com alguém (adulto, não adolescente) que se encanta com o verbo de facilidade encantatória de Alencar, as telenovelas de hoje estão cheias destas soluções conformistas de Senhora ou Helena e de seus exageros morais (a diferença é só uma atualização de linguagem). Schwarz, em Ao vencedor as batatas, percebeu a gênese da ficção brasileira; no ensaio de abertura, “As idéias fora do lugar”, o autor captou os aspectos coloniais da arte brasileira, a importação dos métodos estéticos de que o próprio Alencar (tão teoricamente nacionalista) se valia. Estes primeiros tempos do romance brasileiro foram muito ruins e disformes, mas a análise minuciosa de Schwarz se justifica porque a matéria formal e temática desta ruindade se perpetua nas letras brasileiras, que evoluiu e incluiu novos caminhos mas nunca se despregou totalmente de seus fraseados e de certos assuntos. Mesmo que os machadianos não gostem, Alencar gerou Machado; se alguma comprovação histórica faltasse pela precedência daquele a este, basta lembrar o entusiasmo crítico de Machado com os romances de Alencar (sua análise de Iracema é hoje clássica e premonitória em vários aspectos); Machado é a evolução natural de Alencar, Machado é um Alencar que cresceu de suas bobagens (um conceito, este de bobagem, que Schwarz utiliza a medo para caracterizar certas coisas da ficção alencarina), mas não deixa de ter no fundo de muitas de suas frases a admiração de Machado por seu mestre antecessor. O leitor moderno gostaria que no fim de sua vida Machado soubesse de sua superioridade sobre a retórica alencarina, mas talvez não tenha sido bem assim: é bem provável que o mesmo crítico pudico que repudiou os excessos naturalistas de Eça de Queirós enquanto escrevia Helena e depois escreveu as impudicícias de Memórias póstumas de Brás Cubas não soubesse mesmo o alcance de sua literatura. Mas Schwarz o trata como se Machado soubesse de sua potência, literária e social; e talvez deva ser assim mesmo, pois Ao vencedor as batatas é um pouco um ensaio como se Machado de Assis estivesse escrevendo um ensaio no coração do século XX. Algo como aconteceu com os ensaios do gaúcho Augusto Meyer, onde o ensaísta se olha no espelho e vê a Machado de Assis. Machado de Assis deixou de ser Machado de Assis, mas sim se mimetizou em seus leitores privilegiados, como Meyer ou Schwarz.

 

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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