Os ltimos Passos de um Roqueiro
ltimos Dias, lanado em 2005, livremente inspirado nos momentos finais da vida do msico Kurt Cobain
Últimos Dias (Last Days). Direção: Gus Van Sant. Ano: 2005. Disponível em DVD.
Cinebiografias costumam ser apostas de muitas produtoras de cinema. Transformar a vida de alguém em filme sempre garante que, pelo menos os fãs do personagem retratado, façam fila para assistir um pedaço de sua história na tela grande. Porém, decepcionar não é um verbo incomum para diretores que se arriscam em narrar a trajetória tendo na plateia parentes, amigos e até mesmo o próprio protagonista. Gus Van Sant, diretor americano conhecido pela criatividade narrativa e pela poesia visual, tem uma intensa cinebiografia em seu currículo.
Últimos dias, lançado em 2005, é livremente inspirado nos momentos finais da vida do músico Kurt Cobain, guitarrista, compositor e símbolo da banda Nirvana, uma das mais importantes e influentes do movimento grunge. O garoto que tornou a música sua grande confidente e, aos 27 anos, acabou com a própria vida, suicidando-se com um tiro de espingarda Remington, rende vários assuntos. Seu talento, seu envolvimento com drogas, a (má?) influência de sua esposa Courtney Love em sua carreira, os mistérios envolvendo sua morte. Um roteiro e tanto parecia pronto, escrito pelos tabloides sensacionalistas. Só que Gus Van Sant não gosta do comum, da trama fechadinha. Sua escolha foi ousada, mas certeira. Ao invés de se dedicar a reproduzir os dias finais de um dos grandes nomes do rock, Van Sant optou por traduzir sua alma.
Cada cena de Últimos dias é um relato das ideias loucas e até infantis que pairavam na cabeça de Kurt Cobain, na ficção batizado de Blake e interpretado por Michael Pitt. Mais que a semelhança física do ator com o roqueiro, Pitt embarcou na liberdade de criação proposta pelo diretor e transformou em gestos e olhares a tormenta que o músico vivia, cercado de amigos mais interessados em seu dinheiro que em sua paz de espírito. Em alguns momentos, o diretor de fotografia e parceiro de Van Sant em várias produções, Harris Savides, desfoca a imagem de Blake e o que sobra são cabelos loiros e embaraçados cobrindo o rosto. Apesar de deixar claro que trata-se de uma ficção, é impossível não ficarmos confusos. A metamorfose é comum em cinebiografias, mas elas são mais físicas que interiores. Pitt passa ao público todos os fantasmas que talvez tenham assolado Cobain. As liberdades poéticas só contribuem para a vontade primeira de Van Sant, que é trazer os últimos dias de Cobain na sua essência, e não na forma, utilizando vários pontos de vista assim como havia feito em Elefante, de 2003.
Como coadjuvantes, temos Asia Argento e Lukas Haas, que ficam renegados a função de sombras perto de Michael Pitt e sua entrega. Aos fãs do Nirvana que esperavam um retrato mais fiel da tragédia que levou Cobain deste mundo, vale o recado: é na alma do artista que mora sua verdadeira história. Traduzi-la nem sempre significa ser fiel aos fatos.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitrio Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicaes, participou da obra Uma histria a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixo em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco o cinema oriental, com nfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questes flmicas e antropolgicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crtica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Stima Arte.