O Império da Imagem
Conheça o Império das imagens do realizador Nagisa Oshima, em matéria especial!
Nagisa Oshima, o grande cineasta nipônico, faleceu em 15 de janeiro de 2013, uma terça-feira, num hospital de Fusisawa, ao sul de Tóquio. A causa de sua morte foi uma pneumonia, causa muito comum para a idade em que se encontrava, 80 anos. Junto dele estava sua companheira de décadas, a atriz Akiki Koyama, vista nos dois impérios que filmou, “o da paixão” e “o dos sentidos”. As anotações abaixo foram escritas por mim na última vez em que vi “O império da paixão”, em 2011.
Exibido numa mostra japonesa da Sala Redenção de Porto Alegre, O império da paixão (Ai no borei; L’empire de la passion; 1978), coprodução franco-nipônica dirigida por Nagisa Oshima, se revela numa revisão um conto cinematográfico tão intacto quanto o era no fim da década de 70 do século passado. Oshima rodou esta sua obra-prima logo depois do sucesso de escândalo de O império dos sentidos (1976) e mostrou nos dois “impérios de cinema” que então filmava o quanto seu rigor fílmico tinha alma e fervor; se O império dos sentidos chocava pela aparição das genitálias no coito, O império da paixão é um tanto quanto escasso em matéria erótica e ajuda a tornar aquela tensão metafísica que era um pouco nublada pelo sexo em O império dos sentidos em algo devorador que me certos momentos pode devorar o espírito do observador.
A história contada em O império da paixão tem cheiro oriental, mas transcende. Passa-se no fim do século XIX, como aduz um letreiro do início do filme. Gisaburo é um condutor de riquixá cuja mulher vem a topar um jovem amante. Os amantes planejam e executam o assassinato do condutor de riquixá e jogam seu corpo num poço. (O italiano Luchino Visconti em Obsessão, 1942, e o austríaco Billy Wilder em Pacto de sangue, 1945, fizeram também grandes filmes a partir do pacto de dois amantes contra um marido). A partir daí Oshima perfaz com brilho e profundidade a conversão da culpa confusa dos amantes assassinos em imagens de um conto fantástico onde o fantasma do assassinado surge com naturalidade (embora empalidecido pelo outro mundo) das catacumbas do poço. A questão da consciência é que é analisada aqui por Oshima, não dentro dos preceitos do cristianismo ocidental, mas à sombra de certas mitologias budistas que existem também no japonês Yasujiro Ozu, por exemplo. Mas uma das referências cinematográficas mais palpáveis no deslumbrante surrealismo de O império da paixão é o cinema do espanhol Luis Buñuel. A mulher fica cega no final, e esta é uma situação à Buñuel; o modo como se insere na narrativa o momento em que ela ficou cega —um objeto pontiagudo fura seus olhos em primeiro plano— remete ao clássico Um cão andaluz (1928), onde uma navalha vaza um olho crua e cruelmente.
Para além de tudo, O império da paixão é um dos picos do cinema de Oshima e uma amostra da grandeza de um certo cinema que se praticava nos anos 70.
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br