A Criação Histórica Segundo Schlee

Don Frutos acompanha, numa linguagem entre rude, campestre e altissonantemente barroca, a gestação do fim deste caudilho latino-americano

17/10/2014 10:04 Da Redação
A Criação Histórica Segundo Schlee

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A base historiográfica de Don Frutos (2010), volumoso e fronteiriço romance de feição hispânico-brasileira escrito pelo gaúcho Aldyr Garcia Sclee, é nebulosa. Adrede nebulosa, como requer o narrador. É melhor que o romancista enxergue o mundo assim: sem a objetividade que querem os historiadores. No entanto, com um mergulho numa subjetividade crítica que namora um certo naturalismo de linguagem e de personagem.

Na proposição que abre o livro, Schlee medita na leitura de seu leitor como uma extensão do ato de escrever o romance —“como se dividíssemos na leitura a ação de escrever o livro”. E logo na primeira frase narrativa dá com um ano, uma estação, uma cidade: “O inverno de 1853 foi o pior inverso que Jaguarão teve”. Schlee nasceu em  Jaguarão: claro que muitos anos depois deste remoto 1853. Seu narrador secular parece ter vivido em Jaguarão naquele inverno distante. “aquele de 1853 foi o pior de todos os invernos —como nunca tivemos outro”. Don Fructuoso Rivera, um dos mais poderosos políticos uruguaios, estava então acuado naquela fronteira brasileira, perseguido por seus adversários. Don Frutos acompanha, numa linguagem entre rude, campestre e altissonantemente barroca, a gestação do fim deste caudilho latino-americano. Schlee utiliza o verbo em grau máximo para traçar a magia verbal desta trajetória.

Navegando literariamente, como em eras já muito passadas o fazia o escritor português Gil Vicente, entre duas línguas, o português majoritariamente e o espanhol secundando-o ou alterando-lhe alguma substância sintática ou morfológica, Don Frutos de certa maneira lembra aquele arrevesado bem construído de frases de Eu, o supremo (1974), do paraguaio Augusto Roa-Bastos. Se Roa Bastos introduziu a sintaxe guarani no espanhol, Schlee fez aderir ao ritmo da escrita em português do Brasil ecos hispânicos de fronteira. Em Roa-Bastos se lê: “Dime, Patimo, qué pensarías  tu de un grande hombre que, siendo amigo de los grandes hombres del mundo, se viene a meter de rondón en lo más recoleto de estas selvas con el pretexto de recoger y clasificar plantas?” Schlee utiliza uma série de documentos (cartas, memoriais, notas de imprensa) para a construção narrativa; esta documentação tanto pode ser verdadeira quanto inventada, mas seu objetivo é a verdade da alma de uma época e de uma personagem. Num destes pretendidos documentos de época, lemos: “Havendo oferecido a V.E. em minhas anteriores comunicações, o detalhe dos acontecimentos que hão tido lugar nesta província de Misiones, desde que as armas da República hão pisado, me lisonjeio agora em cumprir minha oferta, anunciando a V.E. que no dia 21 do passado mês cheguei à costa deste mesmo majestoso rio, donde encontrei do lado oposto uma gran guarda inimiga que privava o passo: nestas circunstâncias, ordenei que o sereno e bravo capitão D. Felipe Caballero fizesse destacar oitenta homens e que com os sabres na cintura e as pistolas atadas na cabeça, passassem a nado, protegidos pelo cabo Manoel Gallegos, que, com três soldados, passava uma pequena canoa, a fim de atacar dita guarda. Tudo se efetuou, e rompido o fogo não tardaram as armas republicanas em cobrir-se de louros, de cujo acontecimento verá V.E. a parte Num. 1.”

Os aspectos arcaicos da narrativa de Schlee casam-se em parte com outra aventura literária de feição épico-heroica dada aqui no Sul, O cavaleiro da terra de ninguém(2012), de Sinval Medina. Certas origens sul-riograndenses passam muito por estes dois belos romances contemporâneos dos pagos gaúchos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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