Espada Sem Fio

Dívida Perigosa, dirigido pelo dinamarquês Martin Zandvliet, o filme é mais uma produção original Netflix a derrapar na curva

21/05/2018 15:19 Por Bianca Zasso
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Hollywood não deve se meter com a Yakuza, a tão falada máfia japonesa. Na verdade, ninguém deve se meter com ela. Só que a indústria cinematográfica americana não é muito chegada em conselhos e já se arriscou, mais de uma vez, no universo dos tatuados e violentos mafiosos japoneses. A incursão mais famosa neste universo talvez seja American Yakuza, produção dos anos 90 dirigida por Frank Cappello que cumpre com de forma bastante competente a função de fazer vibrar o público nas cenas de ação. Mas os exemplos com resultados frustrantes estão em maior número e vão além de Operação Sol Nascente, estrelado por Steven Seagal. E esta lista acaba de aumentar com a chegada de Dívida Perigosa.

Dirigido pelo dinamarquês Martin Zandvliet, o filme é mais uma produção original Netflix a derrapar na curva: não chega a ser um desastre completo, mas o espectador sai com a sensação que poderia ter sido bem mais feliz nas duas horas que se passaram. E já que falamos em duração, vamos começar por ela. É visível que o filme poderia ser mais curto. A maioria dos diálogos não acrescenta nada à trama ou desvenda os personagens. Uma passagem, em especial, parece ter sido inserida apenas para acrescentar minutos. O ator Emile Hirsch encontra o protagonista em um bar na cidade de Osaka e os dois iniciam uma conversa saudosista sobre o tempo em que foram companheiros de trincheiras na Segunda Guerra. O papo termina em uma cerveja dividida e assassinato. Bem filmado, bem fotografado e sem nenhuma serventia. Se fosse um curta, poderia ter causado mais impacto.

Entramos agora no quesito sinopse. Mais uma vez, nada de novo no front. Nick, interpretado por Jared Leto, é prisioneiro de guerra numa cadeia japonesa. Sem conhecer o idioma e ainda estranhando alguns hábitos do local, ele acaba colaborando para a fuga de um membro da Yakuza, Kiyoshi, o que lhe rende a promessa de um pagamento após o cumprimento da pena. Nick ganha a liberdade e com ela uma carona num carro preto e assustador que irá levá-lo para assumir um posto dentro da família de Kiyoshi. Americanos que ajudam japoneses e entram para a máfia? Criatividade mandou lembranças.

Não que os roteiros sobre a yakuza, sejam nipônicos ou americanos, sejam inovadores, mas aqui o clichê vai além da história contada. Não é preciso ler os créditos iniciais para descobrir que quem está comandando as filmagens não é oriental. Esqueça a sutileza das câmeras de Masahiro Shinoda ou a violência escrachada de Seijun Suzuki. Aqui é o padrão hollywoodiano que impera, com uma dose nem um pouco modesta de breguice. A trilha sonora é irritante e entra em cena para reforçar a atmosfera de melodrama dos anos 50, já que Nick vive um romance proibido com a irmã de Kiyoshi. Ah, o amor! Aqui ele só serve para que Jared Leto comprove que não lida bem com expressões faciais.

Reforçando o gosto duvidoso de Dívida Perigosa, há uma espécie de abertura no filme. Após um prólogo, surgem os créditos e algumas cenas do filme, digno de uma abertura de novela mexicana. Os tons de vermelho intensos, que os diretores orientais sabem usar com primor, aqui fazem lembrar tramas rocambolescas destinadas a um final feliz inverossímil.

Do elenco, apenas Tadanobu Asano, Shioli Kutsuna e Min Tanaka conseguem se salvar. Chega a ser triste ver três talentos desperdiçados em diálogos que estão mais interessados em apresentar uma linha do tempo sobre a família de mafiosos do que em fazer a trama andar. A cena em que Nick golpeia um inimigo da yakuza com uma máquina de escrever acende a chama da esperança de que, após entrar para a família, o personagem irá crescer dentro do filme. Porém, a cara de paisagem de Jared Leto e a condução da história mostram o contrário. Temos poucos momentos de ação e muita, mas muita conversa. Da entrega das espadas herdadas do pai até a feitura da tatuagem característica dos integrantes do grupo, tudo é didático, como se a ideia fosse reunir em um único filme as tradições da Yakuza. Sem profundidade, sem questionamento, sem drama convincente e sem ação de qualidade.

O título original de Dívida Perigosa, The Outsider, é bem mais próximo da proposta da produção. Nick é um estranho no ninho da máfia. E, por mais que o poder esteja com os japoneses, todos os olhares estão no americano que, desde que inventou Hollywood, sempre chega para salvar o dia. A América pensa estar sempre do lado certo.

 A cena do corte da ponta dos dedos, ritual obrigatório para quem trai a confiança do chefe da máfia, provoca mais prazer que agonia. Jared Leto levou seu castigo por se meter com a yakuza.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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