A Arte e Suas Incognitas: Retrospectiva Intima de uma Artista

Como boa parte dos rumos de sua intersticial filmografia, Bodanzky acabou encontrando este filme entre o acaso e a inspiracao

17/03/2025 07:12 Por Eron Duarte Fagundes
A Arte e Suas Incognitas: Retrospectiva Intima de uma Artista

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Jorge Bodanzky é um dos nomes do cinema brasileiro. Iracema, uma transa amazônica (1975), codirigido por Orlando Senna, O terceiro milênio (1981), A igreja dos oprimidos (1986) são obras básicas para se reflexionar sobre os rumos de nosso cinema a partir duma perspectiva social e política. Embora Iracema seja uma ficção e conte com uma estrela como Paulo César Pereio, em todos os filmes do cineasta a natureza documental do cinema de Bodanzky assoma: a ausência da dramaturgia glamurizada, este balanço entre um rigor geral e a espontaneidade (meio improvisada) da encenação. Em  seu novo trabalho, As cores e amores de Lore (2024) estas características de filmar tornam  a ser encontradas em seu mais alto grau.

Como boa parte dos rumos de sua intersticial filmografia, Bodanzky acabou encontrando este filme entre o acaso e a inspiração. Ele descobriu a pintora (brasileira, porque para cá veio com os pais ainda na infância, fugindo da violência nazista, por ser judia, nascida na Alemanha) Eleonore Koch entre as correspondências da mamãe Bodanzky, a curiosidade familiar o levou à curiosidade estética e de vida para com Lore, um nome ainda não muito divulgado no estudo das artes plásticas no Brasil. Considerada uma (a única) discípula do pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi, a Lore que deparamos ao longo deste filme-entrevista de Bodanzky é uma artista inquieta, consciente de suas opções na arte e na vida, vivendo aqui diante das câmaras sua retrospectiva íntima. Em certos aspectos, o rigor de perseguir o íntimo duma personagem pela implacabilidade da câmara faz lembrar um antigo filme do alemão Hans-Jürgen Syberberg, Winifred Wagner (1976). Como o realizador descende de austríacos e Eleonore é germânica, este ascetismo de linhas da forma cinematográfica parece atravessar as décadas, de Syberberg a Bodanzky.

Como não poderia deixar de ser, com tratar-se de uma obra que se volta para uma artista avançada para sua época e por isso padecendo da incompreensão geral, As cores e amores de Lore acaba lá pelas tantas falando diretamente de cinema. Mulher de comportamento livre bastante raro para seus tempos de juventude, Lore revela seu namoro com o famoso ensaísta de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, em algumas das cartas trocadas com “os amores” entre uma cor e outra (outro missivista reincidente é alguém que se chama Carlos); aí Bodanzky diz que foi aluno de Paulo Emilio em Brasília e que ao lado do grande crítico assistiu ao fundamental Hiroshima, meu amor (1959), de Alain Resnais; encontrando Lore por causa das ligações entre a mamãe Bodanzky e a pintora, Bodanzky vem a encontrar-se com ela e nela por uma perspectiva artística e especificamente cinematográfica, Paulo Emilio como holofote desta perspectiva, um elo entre Bodanzky e Lore.

Para enfeixar minhas notas, vou lembrar dois filmes que vi nos anos recentes em Festivais do Rio. Em 2023 se pôde ver Além do visível: o descobrimento da arte de Hilma Af Klint (2018), da alemã Halina Dyrshka, que tratava da valorização tardia da pintora sueca. Em 2024 apareceu Uma visão repentina às coisas profundas (2024), do irlandês Mark Cousins, voltado para a arte da pintora britânica Wilhelmina Barns Grahan. Como nestes filmes estrangeiros, no de Bodanzky uma artista pouco reconhecida ainda na história e uma visão do documentário como um rigor crítico. A diferença essencial: o excepcional “tour-de-force” que é filmar uma entrevista com a própria artista, que, ao contrário dos outros dois filmes, ainda estava viva quando Bodanzky começou suas filmagens.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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