Uma Peca Iconoclastra dos Anos 80

Caravaggio (1985) eh um dos dois filmes mais referidos feitos pelo ingles Derek Jarman

01/03/2021 18:06 Por Eron Duarte Fagundes
Uma Peca Iconoclastra dos Anos 80

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Caravaggio (1985) é um dos dois filmes mais referidos feitos pelo inglês Derek Jarman. O outro é Wittgeinstein (1992), onde o cineasta cinebiografia, numa inundação de palavras e ideias, o filósofo austríaco Ludwig Wittgeinstein. Ambos os filmes estão entre os mais belos de suas respectivas décadas, e talvez centralizem a contribuição fundamental de Jarman para a história do cinema. Caravaggio é também uma cinebiografia muito particular: ao verter para imagens cinematográficas a história violenta e perturbada do pintor pós-renascentista italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio, Jarman mantém aquela rigidez de uma certa moral-estética cinematográfica que tanto incomodou alguns analistas em seu tempo, que se queixavam da montagem estática ou cerebral do realizador. De uma certa maneira, em Wittgeinstein a base literária do cinema de Jarman transparece, mas ela já estava encravada neste filme de pintura que é Caravaggio. E no entanto Caravaggio é um dos mais intensamente luminosos filmes de pintura jamais perpetuados pelo cinema; nas décadas mais recentes o que mais se aproximou da riqueza da obra-prima de Jarman foi a realização polonesa O moinho e a cruz (2010), de Lech Majewski.

O homossexualismo desvairado de Jarman (que talvez, mais pelo adjetivo que pelo substantivo, como sabemos hoje, o tenha levado a morrer de AIDS no meio de seu caminho) determina a própria tessitura de filmar de Caravaggio. Os aspectos bissexuais da personagem (interpretado com energia por Nigel Terry) se fundem com questões formais do filme, onde a luz rude das ruas e as características dum barroquismo em que a vulgaridade e o cotidiano são abraçados pela arte vão criando uma atmosfera fílmica única. O misticismo italiano, com sua religiosidade transbordante, não deixa de oferecer um contraponto aos pecados duma arte iconoclasta e necessariamente blasfema.

Recebido com espanto e desorientação em suas primeiras exibições nos anos 80 (aqui no Brasil cuido que foi o FESTRIO de novembro de 1986 que o apresentou a nosso público mais interessado), Caravaggio é cada vez mais um clássico irrevogável daquele tipo de cinema que se tem debruçado sobre sua irmã pintura.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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