O Mais Perversamente Sombrio Filme de Richard Brooks
O americano Richard Brooks fez outros filmes cujo roteiro ele extraiu da literatura
O americano Richard Brooks fez outros filmes cujo roteiro ele extraiu da literatura. Ele visitou Dostoievski e Conrad. Mas em À procura de Mr. Goodbar (Looking for Mr. Goodbar; 1977) ele vai a uma literatura do imediato, a um sucesso de livraria da época, o livro homônimo de Judith Rossner. Por sua vez o relato epidérmico e superficial da escritora se baseia na história de Roseann Quinn, uma professora de crianças que à noite se entregava a seus instintos sexuais em bares para solteiros na América dos anos 60 e foi assassinada por um de seus “estranhos encontros” no começo da década de 70. Revendo agora este obscuro e cruel filme do realizador de Entre Deus e o pecado (1960), tantos anos passados, nota-se como o retrato duma geração de homens e mulheres daquele decênio, criaturas que descobriam o mundo depois da revolução de costumes dos anos 60, À procura de Mr. Goodbar é preciso e tem uma construção de personagens quase naturalista. Os aspectos pessimistas, sombrios (a fotografia sincopada de William A. Fraker é um dos achados formais do sentido de cinema edificado por Brooks) e até de perturbações moralistas da narrativa de À procura de Mr. Goodbar podem ser encontrados, em nuanças variadas, em outros tantos filmes do cinema americano daqueles anos —especialmente em William Friedkin e John Carpenter. Certo: as inquietações sociais de Brooks são mais evidentes que aquelas de Friedkin ou Carpenter.
Brooks propõe, com sua Theresa Dunn cinematográfica, um retrato da própria instabilidade do ser feminino de então. Há algo de superficial e tortamente moral na visão de Brooks, um homem, e um homem à antiga. Mas, com sua linguagem tensa e brilhante, Brooks logra fazer-nos sacudir pela sexualíssima e trágica história de Theresa, de dia a inocente professora de surdos-mudos, de noite a devoradora de homens em locais suspeitos. Libertária e voraz, convivendo com tipos excêntricos e perigosos, o fim de Theresa é resolvido ao ser assassinada por um destes com quem anda, justamente aquele que falhara sexualmente ao tentar transar com ela, não o agitado interpretado por um neófito e ali desconhecido Richard Gere, que chegara a encenar atingi-la com uma faca. Para dar vida em imagens a esta Theresa, o cineasta contou com uma jovem e voluptuosa Diane Keaton no mais extraordinário de seus desempenhos; talvez estejamos diante das mais intensas encenações de orgasmo da história do cinema, o que escandalizou a muitos porque Diane acabara de ser vista como a jovem cômica de feição intelectual em Noivo neurótico, noiva nervosa (1977), de seu então companheiro Woody Allen.
Ambíguo como sua personagem de duplicidade moral, À procura de Mr. Goodbar se insere nas facilidades industriais da época (em boa parte pelas inserções da textura do sexo numa quadra de repressão) e no entanto é uma realização um tanto subterrânea nas camuflagens visuais que deparamos. Algo ali entre o industrial e o underground.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br