O Pais das Maravilhas

Alice Deve Estar Viva pode ser a necessidade de renovacao artistica de Werner Schunemann

10/09/2023 13:06 Por Eron Duarte Fagundes
O Pais das Maravilhas

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Alice desaparece em Alice deve estar viva (2021), romance de Werner Schünemann. Alice é a ex-esposa de Luciano, que está casado com Teresa. A narrativa se transforma numa viagem: há muita circulação longínqua, multiforme, o pampa é uma espécie de centro, mas outros lugares do país e de além-fronteira aparecem nas páginas quase num processo giratório e em mutação. Impossível esquecer que Werner nasceu do cinema, especialmente do cinema feito no Sul por uma determinada geração na década de 80 do século passado: dirigiu três filmes, que tinham seus problemas de construção narrativa, interpretou em alguns filmes de seus amigos da época, fez (e ainda faz) teatro, mas sua principal visibilidade é a televisão. Alice deve estar viva pode ser a necessidade de renovação artística de Werner: ser outro sem deixar de ser a si mesmo, pela utilização de um meio que lhe é novo talvez, contar uma história puramente em palavras. Naturalmente, cada leitor vai buscar em Alice deve estar viva uma leitura à luz de suas experiências para com o trajeto profissional e artístico de Werner.

“Por que Alice sumiu? Vocês sabem de alguma coisa? Tem a ver com esses homens? Eles estão com Alice? Por que estão me procurando? Por que Antero e depois tu, Teresa, por que me esconderam no poço antes de falar com os caras? Duas vezes? Cadê Alice? Por que ela corre risco? Por que pediu Alice que Antero me chamasse? Que está acontecendo aqui?”

O desaparecimento de Alice como base narrativa pode levar a pensar num cineasta: o italiano Michelangelo Antonioni. Mas o nome Alice e o título do romance em si podem também remeter a dois filmes encabeçados por uma Alice. Filmes que Werner deve ter visto. Alice não mora mais aqui (1974), do americano Martin Scorsese, e Alice nas cidades (1974), do alemão Wim Wenders, o primeiro como bom produto comercial americano visto nos cinemas habituais, o segundo procurado nos guetos alternativos de seu tempo antes que Wenders se tornasse uma coqueluche de estima. Como as Alices de Scorsese e de Wenders, a Alice de Werner é um olhar-viagem para as coisas narradas: como em Antonioni, é uma ausência-presença.

Sim: talvez se esteja aqui forçando a barra ao buscar nos arcaísmos cinematográficos de Werner as origens de sua nova manifestação artística. “Mas, agora a hora é outra”, adverte Deonísio da Silva, na orelha. No prefácio de apresentação, Luiz Antonio de Assis Brasil parte de outras referências, literárias como convém a um livro, entre estas alusões o italiano Dino Buzzati, O deserto dos tártaros e o Godot dos acontecimentos fora do lugar. A personagem masculina de Werner, Luciano, encontrada Alice, meio rápida e misteriosamente (“Alice cumpriu o processo e não falou mais com ele”), vai partir de novo. Tateante, Werner, o escritor, tenta dar seguimento à arte do cineasta e do ator. “Luciano partiu mais apressado que Teresa. Queria chegar. No aeroporto, em São Paulo, em casa.” A literatura, uma velha forma artística, serve a novas inspirações para Werner Schünemann. Dizer que Alice deve estar viva significa em parte que as letras devem estar vivas. Como num país das maravilhas? Deparamos então a Alice original, a fonte mesmo destas divagações de Alice deve estar viva.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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