Os Lados Secretos de 1964

Juremir Machado da Silva e Flávio Tavares esmiúçam os fatos de 1964 em seus livros

29/04/2014 16:58 Por Eron Fagundes
Os Lados Secretos de 1964

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1964 aconteceu no Brasil por vários motivos. Não era irreversível, como sugerem alguns. Mas o exercício condicional que se possa fazer sobre aquele ano brasileiro na História é uma futilidade histórica: o uso do “se” em História parece uma destas brincadeiras que se fazem em modestas histórias de amor para almanaque; superficial e inútil.

Juremir Machado da Silva, em 1964, golpe midiático-civil-militar (2014), chama a imprensa brasileira a prestar contas sobre a preparação do cenário para o golpe militar que se deu entre 31 de março e primeiro de abril de 1964 e depois se foi sedimentando, quase às ocultas do povo brasileiro, ao longo da década de 60. Certos paradoxos das descobertas de Juremir: um panfletário como Carlos Heitor Cony apoiou no primeiro momento o golpe, embora fosse dos primeiros a arrepender-se, enquanto um catolicão como Alceu Amoroso Lima já de cara, e de forma surpreendentemente visionária, já antevia os tempos de chumbo que os golpistas armavam. Juremir, um homem de imprensa como poucos, vai devassando as motivações da imprensa para atacar João Goulart, até mostrar o espanto desta imprensa que, tendo dado aval ao golpe, vê suas liberdades de expressão castradas pouco a pouco, ano a ano pelo regime que se instalara e que lentamente iria mostrando a cabeça da cobra —Juremir usa de um certo sarcasmo para tratar deste gol contra da imprensa, aceitar e até defender um golpe de Estado que viria a impedi-la de manifestar-se senão pela oficialidade de Estado. Os interesses da imprensa (hoje, mídia, dada sua diversidade) são sempre os das elites do país; segundo Juremir, “a mídia ainda não pagou pelo que fez”. Fica difícil de imaginar que um dia vá pagar: a mídia detém o poder de autoexplicar-se sem contestação. (Paulo Francis, um dos que ficou caracterizado como “no exílio” por conta de perseguições do governo militar, certa vez, depois da abertura política, do alto de seu cinismo intelectual, disse que nunca foi de esquerda, como lhe quiseram impingir, somente o que houve é que ele, que se intitulava um “hedonista cultural”, se aborrecera porque o prendiam por qualquer coisa e resolvera autoexilar-se, para passar bem: coisas da classe dirigente do país, nada mais.) Juremir exuma de seu minucioso levantamento de leitor dos textos de época a clara ideia de que, sem a perseverança do jornalismo brasileiro quase majoritário (não-somente a todo-poderosa Rede Globo), o golpe de 1964 teria evoluído como aborto. Como em 1961, quando Leonel Brizola, para combater esta imprensa à direita, se valeu duma imprensa radiofônica na capital gaúcha, na sede do governo.

Segundo outro jornalista gaúcho, Flávio Tavares, “o golpe de Estado nos acompanha até hoje como ferida e como espanto”. Juremir nos informa, no artigo de jornal “Há 50 anos, o país sofreu golpe mortal” (Caderno de Sábado, Correio do Povo, 22.03.14): “Tudo se acelerou em março de 1964.” Tanto Juremir quanto Flávio visitaram em livros a resistência da Legalidade de 1961.

Flávio acabou, inevitavelmente, escrevendo seu livro sobre o golpe vitorioso de 1964. 1964, o golpe (2014) é o relato de quem viveu aqueles anos. Cinquenta anos depois, Flávio, pela pesquisa e pela reflexão, faz a radiografia de sua própria ingenuidade no centro dos acontecimentos. Se alguém com a argúcia e a inteligência de Flávio não sabia bem o que estava vivendo, imagine-se a grossa maioria de nossa população. No caso dos jornalistas que apoiaram o golpe, referidos por Juremir, havia equilibradas doses de má-fé e de ratos na ratoeira. Veja-se o episódio que Flávio conta com Bilac Pinto, um dos nomes do golpe, numa entrevista ao vivo na TV Brasília, em que o jornalista pergunta ao entrevistado sobre “onde estavam as armas” da guerra revolucionária que Bilac denunciara. Escreve Flávio: “A pergunta embaraçou o condutor do programa, o poeta maranhense Volney Milhomem, que percebeu o que eu não havia entendido: estávamos no começo de uma ditadura e indagações desse tipo eram perigosas. As armas nunca apareceram!” Esta entrevista se deu cerca de quarenta dias depois do golpe de Estado. Com que então, quarenta dias depois que um presidente constitucional foi deposto, um indivíduo informado e inteligente como Flávio ainda não se dera conta da ditadura que o rodeava? Imagine-se o que sobrava então para o grosso da população brasileira.

Juremir faz seu ataque feroz mexendo dentro do meio em que trabalha, a imprensa. Flávio registra documentalmente aquilo de que poderíamos desconfiar mas que na verdade desconhecíamos: éramos também marionetes dos interesses dos Estados Unidos na América Latina. Em 1964, o golpe o centro da trama cobre a participação do governo e os órgãos de inteligência americanos na preparação do cenário do golpe. Segundo Flávio, sem o apoio americano o golpe abortaria, ou talvez não fosse tão fácil.

Não sabemos na verdade o que seria 1964 sem a imprensa brasileira golpista ou as ações americanas para evitar nossa guinada à esquerda. Sabemos que houve os dois fatos, conforme esmiúçam Juremir e Flávio, e estes fatos foram determinantes para que as coisas acontecessem como aconteceram.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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