O cinema português, apesar da proximidade da língua, é amplamente desconhecido no Brasil. Só Manoel de Oliveira é mais conhecido, e mesmo assim muitos de seus filmes só circularam em circuitos alternativos. Assim como ocorre com João Pedro Rodrigues e João Botelho.

Poder conhecer, nas sendas da internet, a Belarmino (1964), de Fernando Lopes, é uma dádiva irrecusável. Influenciado em sua base formal pelas orientações estéticas do neorrealismo italiano, onde a vida-como-ela-é pulsa na tela encenando as metamorfoses do cinema de reflexão europeu incipiente nos anos 60 (certas tomadas da apresentações musicais em clubes noturnos, por sua melancolia existencial incrustada num documentário em bruto, evoca o cinema do italiano Michelangelo Antonioni à distância), esta cinebiografia do pugilista luso Belarmino Fragoso é feita com bastante sensibilidade; centrando a narrativa na entrevista-depoimento do próprio boxeador (um ex-engraxate —engraxador é como dizem em Portugal— que fez vida no boxe, é casado, tem uma filha, mas espia malandramente as outras mulheres nas ruas “porque todo homem faz assim”, assevera ele), o documentário inclui também performances de Belarmino no ringue e suas andanças anônimas pelas ruas. Vai concluir o breve relato com a câmara observando-o tomar água num minichafariz de rua: um homem comum, um boxeador, alguém visto pela alma do cinema.

Belarmino vê sua personagem no pós-glória. O boxe já não tem o mesmo prestígio de outrora. Na tela, Belarmino é  uma estrela decadente. Não voltou a ser engraxate; mas enfrenta dificuldades. O documentário é também um olhar sobre a crueldade dos olhares do capital financeiro para o capital humano.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)