O Espanto do Velho Diante do Novo

O filme Últimas Conversas apaixona e nos persegue por todos os lados

19/06/2015 12:49 Por Eron Duarte Fagundes
O Espanto do Velho Diante do Novo

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Envelhecer é também um processo em que se está num mundo que já não entendemos. Ou que já não nos entende. O último olhar do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, em Últimas conversas (2015), dá bem a medida deste confronto entre um olhar antigo desorientado com sua percepção e os olhares novos desorientados com o presente no futuro.

Coutinho foi assassinado, a facadas, por seu filho esquizofrênico, em fevereiro de 2014. Quando batem as primeiras imagens de Últimas conversas, em que vemos uma entrevista que fazem com o próprio Coutinho, o realizador aparece um tanto quanto deprimido diante da perspectiva de fracasso de seu filme sobre os jovens do ensino médio público do Rio, ele está sentado na cadeira dos entrevistados e resmunga para seus colaboradores uma desilusão que é a alma da melancolia da velhice, o espectador inevitavelmente —diante da cena de Coutinho falando— pensa que a fase final do espírito de Coutinho na terra foi mesmo amargurada. Teria esta desilusão depressiva do cineasta ajudado na ação patricida de seu filho paranoico? O que ocorre de fato é que o resultado deste amargor incontornável, o filme Últimas conversas, apaixona e nos persegue por todos os lados.

Coutinho faleceu deixando atrás de si os rastros das filmagens de Últimas conversas. Um material solto em que jovens pobres do ensino médio carioca eram questionados pelo grande perguntador do cinema brasileiro. A montadora Jordana Berg e o produtor João Moreira Salles deram a feição final da montagem que finalmente chegou ao público. Mesmo sem a participação de Coutinho no corte definitivo, o filme é a essência do diretor. Quando o observador dá com os universos manipulados por Coutinho, há uma transformação. Vemos a progressão em cinema de coisas aparentemente sem significação nenhuma, é como se uma mão invisível transformasse o pequeno em grande. No momento em que nos preparamos para perguntar aonde vai dar a banalidade, Coutinho acabou de armar o mais agudo e perplexo golpe emocional. O processo de encenação de Coutinho traz a mais viva lição sobre a vida, o cinema e a arte como um todo: tudo é importante, todos os seres são importantes. Precisamos ter um pouco esta disposição de Coutinho para ouvir a poesia escrita por um jovem pobre, esta capacidade para entender a inadequação de um adolescente tido por arrogante ou esta simples comunhão com as lágrimas duma menina cuja necessidade de afeto nasce da frieza da mãe e das provocações sexuais do padrasto.

Os entrevistados são quase todos adolescentes. No começo Coutinho se perturba com a possibilidade de fracasso de tal empreitada. Preferiria entrevistar as crianças: as coisas seriam mais naturais. A última entrevistada é uma menina de seis anos. Foge às características dos demais por ser uma criança. E também por pertencer à classe média alta: filha de um casal de médicos, tem duas babás. E faz a frase que diverte Coutinho (ou o impressiona?). Perguntada sobre Deus, diz que “Deus é o homem que morreu”. Coutinho morreu: brutalmente. Não é Deus. É somente um grande diretor do cinema brasileiro que nos ajuda a compreender que os grandes nascem pequenos e tudo o que é pequeno tem grandeza.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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