A Tensao Metafisica da Imagem
Profundamente autoral em todos os seus setores de producao, Mulher Oceano tem roteiro assinado pela diretora e por Vana Medeiros
A realizadora Djin Sganzerla faz um dos mais belos filmes brasileiros ao encenar Mulher oceano (2020) com uma inquietação estilística que não dá trégua ao olhar do espectador em nenhum de seus planos. Estas formas novas e pessoais de filmar conferem ao trabalho de Djin sua originalidade ao mesmo tempo em que explicam parte das dificuldades de aproximação do público brasileiro a esta narrativa cheia duma pulsão estranha.
Profundamente autoral em todos os seus setores de produção, Mulher oceano tem roteiro assinado pela diretora e por Vana Medeiros e traz à frente do elenco a própria cineasta, cujo talento de intérprete rivaliza com suas próprias minúcias de direção. Contando com a fotografia inspirada de André Guerreiro Lopes e muito bem marcado cenicamente pela música de Rafael Cavalcanti, Mulher oceano joga com extrema sensibilidade e senso fílmico os conflitos diante das câmaras, que se alternam entre uma escritora brasileira vivendo em Tóquio, e uma executiva e nadadora também brasileira que mora no Rio, no Brasil, ambas se desconhecem, não se conectam mas em algum ponto suas histórias se identificam num plano entre o abstrato e o secreto; Djin interpreta as duas personagens com adequação de maquiagem e gestos, e o filme se vale dos cenários de Tóquio (Yasujiro Ozu redivivo?) e do Rio (a metafísica brasileira mais próxima de Walter Hugo Khouri que de Papai Sganzerla, pelo refinamento?) com uma riqueza que amiúde encanta o espectador.
As criaturas têm praticamente o mesmo nome: Hannah no Japão, Ana no Brasil. Este processo de simultanear personagens próximas e distantes poderia aparentar-se com A dupla vida de Verônica (1991), do polonês Krzystof Kieslowski, uma Verônica na Polônia, outra na França, processo que foi reiterado à brasileira por Fabio Meira em As duas Irenes (2017), uma Irene de classe média alta, outra Irene da classe baixa, filhas do mesmo pai mas de mães diferentes e que não se conheciam. O ponto inicial do processo é o mesmo nos três filmes, mas a confecção narrativa diverge bastante. No caso de Mulher oceano a proposta narrativa é uma espécie de mergulho marítimo e interior: a busca da interioridade pela associação de histórias, ideias, sentimentos.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.co.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br