A Ciência Como Personagem na Arte
A Tabela Periódica (1975)exemplifica com perfeição as tendências e as concentrações da reflexão literária de Primo Levi
O italiano Primo Levi é um escritor marcado por suas experiências em campos de concentração nazistas. O realismo descarnado de sua prosa, os aspectos documentais de suas pretendidas autobiografias nascem deste veio. O escritor Primo Levi é também marcado pela existência dentro do mesmo cérebro do químico Primo Levi. E inevitavelmente o artista Levi transforma a ciência de Levi em personagem. É uma vertente considerável da ficção do século XX, do romancista inglês Aldous Huxley ao cineasta francês Alain Resnais. A tabela periódica (1975), uma autobiografia que se estrutura como um romance, exemplifica com perfeição as tendências e as concentrações da reflexão literária de Levi.
Os vinte e um elementos químicos existentes na natureza e contemplados pela complexa tabela periódica (com seus elétrons, prótons, nêutrons, números de massa, números atômicos) são objeto da visão da personagem central que é o próprio Levi; e cada capítulo de A tabela periódica é titulado pelo nome de um elemento químico. Mas a “vida química” de Levi é somente um dos componentes da escrita de Levi. O outro componente forte de suas tensões artísticas é seu judaísmo que teve na perseguição nazista nos anos 40 uma radicalização de vida que se refletiu numa correspondente radicalização estética, onde toda concessão à banalidade e à estupidez é desprezada.
“Existem, no ar que respiramos, os chamados gases inertes”, assim abre Levi seu texto, no capítulo a que chama Argônio. Depois de divagar por vários elementos químicos, no fim do livro o narrador se detém no carbono, elemento essencial da Química Orgânica, a química da vida. Levi se dispõe a contar a história do carbono, o carbono como uma personagem, isto é, como um elemento ficcional. As fórmulas químicas agitam-se como uma trama literária. “Ao carbono, elemento da vida, se dirigiu meu primeiro sonho literário, insistentemente sonhado numa hora e num lugar em que minha vida não valia muito: aí está, queria contar a história de um átomo de carbono.”
Este articulista já sonhou na adolescência com escrever um romance valendo-se dum roteiro da tabela periódica, ao ouvir atento as aulas de química. Ou o romance das fórmulas da trigonometria (senos, cossenos, tangentes, cotangentes), ideias surgidas em aulas de matemática. Quer dizer, ver aulas era motivo de ficção. Levi levou seu sonho de estudo a uma realidade exemplar: A tabela periódica.
(Email: eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br