O escritor francês Georges Bernanos fez de sua breve evocação do julgamento de Joana d’Arc, em Joana relapsa e santa (Jeanne relapse et sainte; 1934), um dos grandes achados espirituais da literatura no século XX. O cineasta francês Robert Bresson, que filmou Bernanos algumas vezes, observou os passos forenses de Joana em O processo de Joana d’Arc (1962). Bresson partiu diretamente dos autos do processo, mas certamente a leitura deste opúsculo de Bernanos deve tê-lo influenciado.

O discurso final da narrativa de Bernanos é um delírio de poesia religiosa, um Evangelho à parte. Há um estribilho, “notre Eglise est l’Eglise des saints”, uma frase que volta intersticialmente entre as outras frases. A frase parece justificar Joana e seus tortuosos caminhos na mente da Igreja, de condenada à santa. Bernanos, aqui como sempre, transforma a questão da santidade na aventura de seu verbo; afirma mesmo que a única aventura que interessa é a da santidade, “elle est même la seule aventure”. O italiano Michelangelo Antonioni denominava um de seus filmes metafísicos e ausentes de A aventura (1959): nada mais irônico numa arte como o cinema, voltada essencialmente para a aventura física. Humor enviesado destes metafísicos, Bernanos, Antonioni, Bresson. Um santo? Uma coleção de santos? “Une espèce de gendarmerie spirituelle”.

É isto que Bernanos revela com seus textos eloquentemente profundos, eivados de padres e outros candidatos à santidade: montar um exército para o espírito.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)