Apodrecer Antes de Matar
Raízes do Mal, romance escrito pelo francês Maurice Dantec, é mais um dos importantes livros franceses das últimas décadas
Raízes do mal (Les racines du mal; 1995), romance escrito pelo francês Maurice Dantec, é mais um dos importantes livros franceses das últimas décadas trazidas ao conhecimento do público brasileiro pelos esforços de tradução do gaúcho Juremir Machado da Silva. A narrativa malévola de Dantec começa ferindo as impressões do leitor desde a frase inicial, onde o narrador revela que o protagonista, Andreas Schaltzmann, passou a matar depois que seu estômago se pôs a apodrecer; há uma ligação inusitada que se estabelece entre um apodrecimento estomacal (vísceras mal cheirosas é o que vem à imagem de quem lê) e o que sucede, o ato incontrolável de matar em série.
A obra-prima de Dantec é um rosário desgovernado de situações e sensações que aprimoram em cada página a crueldade humana. Ele pode lembrar, Dantec, tanto o francês Louis Ferdinand-Céline e seu asco para com o mundo, quanto o alemão Alfred Döblin e seu desencanto melancólico diante da sociedade do apodrecimento do século XX; a propósito de Döblin, Schaltzmann tem alguma coisa que evoca Franz Biberkopf, a célebre personagem de Döblin filmada pelo alemão Rainer Werner Fassbinder, e os desajustes narrativos libertários de Dantec semelham aquela dureza de linhas germânicas de Döblin, que recriava um pouco do irlandês James Joyce à sua maneira; em ambos (Dantec e Döblin), quer se queira, quer não, Joyce faz das suas em matéria de texto e mistura de erudição e vulgaridade.
Dantec poderia ser o Joyce ou o Döblin da era da informática. Os neologismos de Dantec buscam exacerbar a virtualidade do mundo informático.É uma panaceia feita com brilho pelo escritor francês que se imagina como escritor americano.
Raízes do mal é uma literatura em grau máximo. É como se uma nova metáfora pudesse surgir do universo de burocratas do computador que se satisfazem com a epiderme da informática; Dantec aprofunda esta linguagem que cada vez mais se aparenta com o cinema, que já visitou a ficção de Dantec e, pena, esteve longe de se dar bem. Dantec antecipa um tipo de relação entre o cinema a literatura para o qual talvez ainda não estejamos preparados. O português António Lobo Antunes tangenciou estas coisas: Dantec as radicalizou.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br