A Fronteira Final

O Espaço, a Literatura e o Cinema: conheça um pouco desta trajetória

05/11/2014 13:03 Por Adilson de Carvalho Santos
A Fronteira Final

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Eu nasci um dia antes que o homem pisasse na lua, dando substância à frase “Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade” proferida por Neil Armstrong, fazendo a guerra fria pender para o capitalismo norte-americano e marcando a história. Talvez por isso eu tenha um grande fascínio pela ideia da viagem espacial traduzida em palavras e imagens cinematográficas que tentam simular para nossos sentidos a sensação de soltar nossos corpos como um Ícaro galáctico e compreender a insignificância humana perante o mar cósmico que a tudo cerca. Em Interstellar, Christopher Nolan (Batman, A Origem) é o mais novo a tentar recriar em uma sala de exibição a sensação de uma viagem ao espaço, hoje 358 anos depois do escritor francês Savinien Cyrano de Bergerac ter escrito “Historie Comique dês États et Empires de la Lune” (1656) em que narra, em pleno século XVII, uma viagem à lua e 149 anos depois de Jules Verne em “De la Terre a la Lune” (Da Terra à Lua), publicado pela primeira vez em 1865, e adaptado por George Meliés em 1902. O inventivo Meliés tornou icônica a imagem de uma lua humanizada atingida por um projétil gigante, conforme visto recentemente em A Invenção de Hugo Cabret de Martin Scorcese.  Um ano antes do filme de Meliés, outro pioneiro do gênero, o inglês H.G.Wells publicou “The First Men on the Moon” (Os Primeiros Homens na Lua), adaptado para o cinema em 1919 e 1964. Wells imaginava um foguete alimentado pela carvorita, um imaginário minério anti-gravitacional e a existência de habitantes lunares, os selenitas (assim chamados como referência à deusa lunar Selene), que já eram mencionados no texto de Bergerac.

A realidade, contudo, é sempre mais sem graça, carece de glamour e, assim, a literatura antecipou conquistas que demorariam para se concretizar. Pouco mais de 90 anos depois do livro de Verne, os Soviéticos lançaram o satélite Sputinik ao espaço. Na mesma ocasião, a cadela Laika se tornou o primeiro ser vivo a viajar ao espaço e nunca mais retornou a Terra. Somente em 1961, Yuri Gagarian se tornou o primeiro homem a ver a Terra do espaço. A Corrida ao espaço entre norte-americanos e soviéticos foi acirrada no período conhecido como Guerra Fria e culminou com a chegada da Apollo XI à superfície lunar em 20 de Julho de 1969. Hoje em pleno século XXI ainda não conseguimos explorar nada além de nosso planeta azul, mapeamos muito pouco de toda essa imensidão a partir de modernos observatórios e de imagens de satélites, muito diferente da romantização de uma raça humana unida a bordo da Enterprise de Star Trek. Em meio ao sonho otimista da saga de Gene Roddenberry e a pesadelos assustadores como Prometheus de Ridley Scott, o cinema frequentemente nos leva ao papel de exploradores espaciais sabendo que no espaço não há som para que suspiros ou gritos se propaguem, não há oxigênio para que explosões apoteóticas sejam observadas e o vazio enfatiza de forma brutal a insignificância de nossa natureza. Talvez justamente por esse poder tão absoluto, o espaço seja o elemento perfeito para divagações filosóficas sobre nosso papel na ordem das coisas.

No clássico O Planeta Probido (The Forbidden Planet) de 1958, um jovial Leslie Nielsen faz um bravo capitão de uma nave espacial que chega a um planeta onde uma arma alienígena desperta o Id descontrolado do Dr.Morbius (Walter Pidgeon), transformado em uma irrefreável força destrutiva que nos faz pensar na divisão freudiana da psique humana, uma história saída da peça de Shakespeare “A Tempestade”. Ainda mais impressionante foi 2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001 – A Space Odissey), adaptação do conto “A Sentinela” de Arthur C. Clarke, dirigida por Stanley Kubrick, que criou os rigores do espaço um ano antes da ida do homem à lua. Sua história pretensiosa confronta o passado primitivo do homem com seu futuro nas estrelas, questionando mais que respondendo a busca incessante do homem sobre para onde vamos e o que somos. A natureza humana também é posta sob estudo no livro do polonês Stanlislaw Lem “Solaris”, publicado em 1961, sobre um planeta composto de um oceano inteligente, forma de vida que analisa a complicada equação humana representada pelo psicólogo Kris Kelvin enviado para investigar o motivo do enlouquecimento da tripulação orbitando o misterioso planeta. A história ambiciosa e de grande aprofundamento, comparável a 2001, foi adaptado duas vezes: em 1972 por Andrei Tarkovsky e em 2002 dirigida por Steven Sodenbergh que teve resultado raso se comparado às complexidades do material em que se baseia.

Filosofias à parte, a ciência real e a ciência imaginária se diferenciam muito. Deixar a atmosfera da Terra está longe dos devaneios fantasiosos de Flash Gordon e Buck Rogers (heróis clássicos dos quadrinhos) e aventuras como o do fracassado John Carter flertam mais com a vontade do ser humano de se desprender das limitações do nosso mundo e buscar o desconhecido lá fora. Quase um ano depois da chegada do homem à lua, a missão da Apollo 13 , que virou o filme homônimo de 1995 dirigido por Ron Howard, começou com a euforia do início da chamada era espacial e terminou de forma desastrosa quando um defeito em um dos módulos impediu a “alusinagem” prendendo os três astronautas, incluindo o Capitão James Lovell, durante cinco dias em órbita e antes do fim das reservas de oxigênio e água. Seu retorno à Terra foi um triunfo do esforço humano de sobrevivência conforme relatado no livro de Jim Lovell, adaptado para o cinema e que fez da frase “Houston, nós temos um problema” icônica mensagem de que a viagem espacial  não é um passeio. Outra produção que soube mostrar a solidão do homem diante da imensidão com requintes técnicos admiráveis foi o recente Gravidade de Alfonso Cuarón, premiado e consagrado por público e crítica. A jornada da Dra Ryan Stone (Sandra Bullock) de volta para a Terra guarda a metáfora do nascimento, ou melhor do renascimento, quando a personagem que vivia sem propósito redescobre a vontade de viver quando se vê à deriva em torno da Terra. A Ficção Científica aborda a condição humana, mostra as possibilidades e tenta, enfim, mudar nossa perspectiva sobre nossas próprias vidas.

Claro que o aspecto religioso ocasionalmente vem a tona sempre que nos perguntamos se estamos sozinhos no universo, o que existe dentro e além dos limites da via láctea. O renomado astrônomo Carl Sagan, criador da série “Cosmos”, escreveu o embate entre a fé a ciência em seu livro Contato fazendo da Dra Ellie Arroway a representação de sua persona questionadora, sonhadora, ávida pelo conhecimento. O livro, publicado em 1985, foi dez anos depois adaptado para as telas com direção de Robert Zemeckis e trazendo no elenco os nomes de Jodie Foster e Mathew McConaughey que agora protagoniza o filme de Nolan.

A viagem espacial toca profundamente a todos porque lida com nossa visão sobre nós mesmos, nossa relação com a criação, se somos ou não feitos à imagem e semelhança de Deus, se estamos sozinhos ou não. Experimentar essas perguntas mexe com nossa razão, instiga nossos sentimentos tão conflitantes, e por isso leituras e releituras do assunto são tão frequentes nas telas. O Espaço é a fronteira final e a frase, embora clichê, espelha perfeitamente essa busca que se faz de forma interna e externa a nossos corpos limitados pela carne, mas potencializados pela mente questionadora que nos torna todos verdadeiros homens-foguete como na canção icônica de Elton John, um vôo infinito voltado para o mistério das estrelas.

(Por Adilson de Carvalho Santos)

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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