A Metáfora e a Representação: Arcaísmos de Filmar no Novo

Segundo Eron: "Os Taviani, infelizmente, não passaram por aqui. Fico com a memória visual das mãos deles na calçada da fama em Cannes, cidade que não deixa de ser metáfora e representação do cinema."

04/01/2013 00:40 Por Eron Fagundes
A Metáfora e a Representação: Arcaísmos de Filmar no Novo

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Paisagens devoradas (Paisajes devoradas; 2012) traz em seu centro narrativo a figura de antropologia cultural do realizador argentino Fernando Birri. Pode-se nunca ter visto um filme de Birri, mas se se tem alguma informação sobre a iconoclastia político-cinematográfica do cineasta o status alegórico de Paisagens devoradas está feito. É um pouco como se o cinema asperamente terceiro-mundista dos anos 50 e 60 ressurgisse em cena. Em cena a figura física impressionantemente velha e alucinada de Birri domina a câmara. A câmara de filmar, na verdade, está nas mãos de Eliseo Subiela, um diretor argentino de geração posterior; a alegoria mais esquemática dos anos 80, de filmes como A conquista do paraíso (1980) e do mitológico Homem mirando ao Sudeste (1986). É como se Tire die (1958), filme curto de Birri, quisesse dar direção a seu sucesso da década de 80. Um pouco em vão. Subiela utiliza sua própria estranheza cênica e torna certas simbologias excessivamente arquetípicas. A metáfora em Subiela não balança, não aprofunda os signos: funciona até certo ponto como elemento de inquietação, mas nunca se completa, é uma superfície curiosa, redondinha. A metáfora em Paisagens devoradas não deixa de ser também uma representação: o cinema representa a loucura que representa o cinema. Os círculos em Paisagens devoradas não chegam a ser tão sinuosos.

A representação é o cerne de César deve morrer (Cesare deve morire; 2011), rodado pelos italianos Paolo e Vittorio Taviani. Não se pode dizer que os arcaísmos de filmar (constantes em Paisagens devoradas) deixem de existir em César deve morrer. Mas a encenação dos Taviani respira modernidade, atualiza-se, ainda que seu rigor intelectual e moral remeta às obras-primas da fase didático-televisiva do italiano Roberto Rossellini. Em César deve morrer o cinema representa o poder que representa o cinema. Novamente o jogo entre a metáfora e a representação. Filmando a encenação do “Júlio César” de William Shakespeare, os Taviani tergiversam sobre a própria questão do representar, sobre a atualidade ou a necessidade de representar processos antigos e sobre a parafernália psicológica que envolve o mundo do ator e o universo que ele está representando em sua personagem. Com mais solidez que Subiela, os Taviani pensam a metáfora e a representação num mundo de arcaísmos ideológicos e estéticos que, reunidos de uma determinada forma, adquirem um inesperado sentido moderno.

Eliseo Subiela esteve numa sessão comentada de seu filme, em Porto Alegre, sessão que foi dirigida de maneira um pouco desataviada e frouxa pelo jornalista Daniel Feix. O momento mais curioso das conversas de Subiela com o público foi quando uma espectadora se meteu a associar certas coisas de Paisagens devoradas com aquilo que o alemão Alexander Kluge fez em O ataque do presente contra o restante do tempo (1985), e Subiela revelou sua total ignorância para com a obra de Kluge, um dos maiores cineastas de todos os tempos e aquele artista onde metaforizar e representar chegou à mais aguda profundidade.

Os Taviani, infelizmente, não passaram por aqui. Fico com a memória visual das mãos deles na calçada da fama em Cannes, cidade que não deixa de ser metáfora e representação do cinema.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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