O Velho Mundo Novo de Huxley

Admirável Mundo Novo Mantém sua atualidade irônica num tempo em que velhas roupagens são pintadas para apresentar como novo o que no fundo pode ser tão velho quanto as cavernas primitivas

04/11/2016 23:39 Por Eron Duarte Fagundes
O Velho Mundo Novo de Huxley

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Admirável mundo novo (Brave new world; 1932), do inglês Aldous Huxley, é um dos mais badalados romances de antecipação da literatura. É provavelmente o livro mais conhecido e citado de Huxley, mas está longe de seu melhor, que é Contraponto (1928), um maravilhoso exercício de simultaneísmo narrativo disseminado numa construção de embate de ideias com brilho incomum. Embate de ideias também está presente em Admirável mundo novo, pois Huxley nunca deixa de ser um escritor-pensador. Como observa a personagem do escritor em Contraponto, a narrativa de ideias pode ir ter a um resultado artificial, repleto de monstros em cena; esta artificialidade, que ruma para formas estereotipadas, é que reduz a complexidade de Admirável mundo novo; o brilho textual de Huxley e a soberania de suas construções de ideias nunca deixam de encantar, todavia, tão-somente reduzem um pouco o poder de fogo de seu belo romance.

É claro que, com a agilidade das mudanças no mundo, especialmente tecnológicas, qualquer obra de antecipação envelhece bastante em suas previsões. Isto não significa a perda da força literária, quando se trata dum autor com os recursos de Huxley. Na base, muita coisa ainda se evidencia. A massificação do indivíduo por um Estado totalitário; a lavagem cerebral, com o poder da mídia, faz mais do que qualquer laboratório biológico, que seria o centro do pensamento futurista do autor britânico.

Em seu tempo, Huxley foi amado por uns e odiado por outros. Entre nós, o ensaísta Otto Maria Carpeaux ironizava a erudição do inglês, dizendo que Huxley era superficial e colhia suas informações ligeiras na Enciclopédia Britânica, uma espécie de Google dos tempos da escrita impressa. Já o crítico pernambucano Álvaro Lins o tinha em alta conta, referindo as ferramentas de impacto das histórias de Huxley, todas ambientadas na burguesia inglesa.

Admirável mundo novo, para além de seus atributos estéticos, tem merecido atenção dos cientistas sociais. Visto quase como um talismã. Na verdade, Huxley sabe enxergar bem os burburinhos da sociedade. Eis: “todas as pessoas destacadas para um serviço inferior passavam o tempo todo fazendo intrigas para obter cargos mais elevados e todas as pessoas que ocupavam cargos mais elevados tramavam contraintrigas para, a qualquer preço, ficar onde estavam.” Não é, objetivamente, uma visão percuciente da luta de classes burocráticas ainda no século XXI?

P.S.: Quando entrei na Faculdade de Direito, em 1977, um professor de economia, que se admirara de algumas coisas que eu tinha escrito numa prova, começara a falar comigo de literatura e perguntou se eu lera o romance de Huxley, um dos mais citados em ciências sociais. Acabamos enveredando por uma conversação bastante entranhada sobre as teias da narrativa de Huxley, pois eu as lera não havia muito. Passadas as décadas, um ano destes uma amiga e colega de trabalho, Sabrina, formada em História, leu o livro e retomei com ela algumas conversas que tivera nos anos 70 com o velho professor de sotaque estrangeiro. Finalmente, agora em 2016, reli o livro. Como produto da leitura, o texto acima. Admirável mundo novo mantém sua atualidade irônica num tempo em que velhas roupagens são pintadas para apresentar como novo o que no fundo pode ser tão velho quanto as cavernas primitivas: para manter atado o homem a conceitos pragmáticos de utilidade social; a burocracia como cemitério da sensibilidade que possa inventar qualquer coisa.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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