A Beleza Que Nos Esmaga em um Filme
Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria; 2014) não é um filme fora de seu tempo, do realizador Olivier Assayas
Parece que é o filme em que o realizador francês Olivier Assayas sai do sério e aponta todas as reflexões esboçadas em seus filmes anteriores, entre eles o recente Depois de maio (2012), para o alto, para as nuvens. Acima das nuvens (Clouds of Sils Maria; 2014) não é um filme fora de seu tempo, não é uma narrativa nas nuvens no sentido da coisa aérea e inócua, mas é a busca das nuvens estéticas e humanas que um cinema avançado do século XXI pode atingir. Acima das nuvens fala das convivências difíceis do terceiro milênio, quer dizer, convivências que se têm exacerbado desde a segunda metade do século XX.
A beleza das imagens do filme de Assayas acaba por esmagar o observador. E esta beleza, sem perder a poesia de seu tom, adota altissonâncias metafísicas. Os cenários germânicos e suíços, isolados do mundo, são a natureza-esplendor para a possível filosofia cinematográfica do cineasta francês. O ato de esmagar o olhar do assistente é tanto visual quanto psicológico.
No começo do filme uma jovem, de pé no corredor de um trem em movimento, fala interminavelmente em três celulares que parecem não querer parar de tocar. Quando as ligações se acalmam, ela vai ao encontro, no interior de um vagão, de uma mulher que vai fechar o rosário reflexivo de Assayas. Quem está acostumado a ir ao cinema, descobre na jovem dos planos iniciais a atriz Kristen Stewart, a coqueluche duma recente saga de vampiros no cinema. E este mesmo observador nota o contraste entre a mocinha e a dama francesa Juliette Binoche, deslizando pelas cenas. Acima das nuvens se equilibra com uma densa perfeição nestes desequilíbrios modernos de indivíduos tão diferentes que se falam, se encontram.
Juliette é uma intérprete clássica, Kristen é a garotinha pós-moderna. Mas quem vai acelerar o conflito é a personagem de Chloë Grace Moretz, uma pequena atriz vazia que vai contracenar ao lado da elegância de Juliette. Quando Juliette e Kristen assistem a um filme ingênuo de super-heróis interpretado por Chloë, e Juliette debocha das tentativas de Kristen de explicar mais elevadamente o comportamento daquelas personagens, o espelho central de Acima das nuvens se estabelece. Pode-se aludir ao conflito de gerações, mas é algo mais: um conflito de percepções estéticas, independente da idade. O riso bem francês de Binoche (ela só fala francês em alguns diálogos ao celular no filme, o mais suas falas são em inglês) se parece com aquela derrisão decadente do escritor (bem francês) Michel Houellebecq em O sequestro de Michel Houellebecq (2014), filme de Guillaume Nicloux, quando o famoso romancista zombava dos poemas descalços dos marginais que o sequestravam e o rodeavam.
Curiosamente está em cartaz na cidade um outro filme que propõe um olhar sobre um embate entre uma personagem madura e uma personagem jovem. Whipash, em busca da perfeição (2014), de Damien Chazelle, é rasteiro e monocórdio demais para permitir os voos complexos de Acima das nuvens.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br