Todos os Dias, de Michael Winterbottom
O filme é uma obra de emocionante humanismo e envolvente beleza
A influência da escola documentária britânica, marcante até nas realizações ficcionais de Michael Winterbottom (The road to Guantanamo), pode afastar espectadores que não abrem mão da dramaturgia e dos ritmos do cinema-espetáculo, mas Todos os Dias (Everyday) é obra de emocionante humanismo e envolvente beleza. A narrativa, com obsessiva observação de gestos do dia-a-dia, tem digitais de documentarista. Contudo, ao aceitar proposta da televisão britânica - TV Channel 4 - para abordar em filme as condições dos presídios, o diretor criou um roteiro ficcional que se passa na maior parte do tempo fora das grades.
Sean (John Simm) cumpre pena de cinco anos por delito não mencionado. Além das longas viagens para frequentes visitas ao presídio com os filhos, Karen (Shirley Henderson) cumpre três jornadas de trabalho: dois empregos e os constantes cuidados com as quatro crianças. A pena, de certa forma, também recai sobre os inocentes. (O que lembra palavras de uma personagem de Central do Brasil, de Walter Salles: "... esses anos todos que você ficar aí dentro trancado, eu também vou ficar trancada aqui fora te esperando").
Observou Winterbottom: "O filme é sobre duração. Não quis fazer um filme sobre crime e punição; eu quis que fosse sobre separação". Praticamente não há conflitos. A tensão dramática vem da inevitável espera e de afetos represados, dia a dia. Daí o esgarçamento do ritmo, as repetições.
Em busca dos efeitos do tempo sobre os personagens, o cineasta adotou um processo inventivo de produção: filmou durante duas semanas por ano, de 2008 a 2012. Em uma produção convencional, rodada em seis ou oito semanas, as quatro crianças (de três a oito anos de idade) teriam de ser substituídas por outras.
Com belíssimos exteriores, filmados em zonas rurais e praias de Norfolk, Escócia, o cineasta recorre à natureza para enfatizar ora o vazio afetivo, ora as emoções do reencontro.
Sobre o Colunista:
Ely Azeredo
Ely Azeredo é jornalista, crítico e professor de cinema. Escreve no caderno "RioShow" (O Globo) e no blog de cultura cinematográfica cujo acesso é: elyazeredo.com. Livros publicados: "Infinito Cinema", "Olhar Crítico: 50 Anos de Cinema Brasileiro" e "Jorge Ileli - O Suspense de Viver". Participou de edições sobre Hitchcock, Bergman e outros cineastas. Integrou o júri do Festival de Berlim. Criou o primeiro Cinema de Arte (RJ) e a revista "Filme Cultura".