O Terceiro Elemento
Minhas Mães e Meu Pai é muito mais do que uma família lidando com uma novidade. É um filme sobre casamento e sobre quão difícil ele é
Há quem diga que abrir uma relação monogâmica, buscando uma terceira pessoa para dividir a cama, o sofá ou o que mais for, pode ser um santo remédio para a crise, seja ela dos 7 anos ou dos 3 meses. A liberdade está aí para ser usufruída e, como no caso do nosso atual governo, batalhada. Viver em um país onde duas mulheres ou dois homens, os um homem e duas mulheres ou dois homens e uma mulher não são considerados família perante a lei, parece até uma afronta a certas pessoas recomendar um filme protagonizando por duas mulheres com dois filhos adolescentes que vem a base tremer com a chegada de um homem muito especial. Sim, há crises entre os gays; E entre os bis e os trans. Humanos são complicados, meus caros héteros preconceituosos. E gostar do que você não gosta não faz ninguém menos humano. Protestos à parte, vamos a Minhas Mães e Meu Pai.
A comédia dramática dirigida pela americana Lisa Cholodenko foi definida em muitas sinopses como a história de um casal de lésbicas que se vê confuso com a chegada do doador de esperma que gerou seus dois filhos. Não há nenhum erro, mas Minhas Mães e Meu Pai é muito mais do que uma família lidando com uma novidade. É um filme sobre casamento e sobre quão difícil ele é. Nic e Jules (Annettte Bening e Julianne Moore maravilhosas e certeiras em suas interpretações) vem o cotidiano tranquilo mudar quando seus filhos Joni e Laser descobrem e começam a ter contato com o pai biológico, Paul. Nic, a mais severa, acha que está perdendo os filhos. Já Jules acha que uma nova família pode estar nascendo. Dos acasos inexplicáveis da vida, é Jules quem acaba colocando em risco tudo que construiu com Nic.
Sem engenhosidades na parte técnica e com uma fotografia solar mesmo em momentos tensos, Minhas mães e meu pai teve quatro indicações ao Oscar, todas merecidas, em especial a de melhor roteiro original. A boa trama, com reviravoltas inteligentes, faz questão de tratar suas protagonistas como um casal qualquer, jamais supervalorizando o fato de serem suas mulheres. Há carinho, há tesão, há crise, podendo muito bem ser trocado o sexo das personagens sem alterar em nada a ideia original. O terceiro elemento, no caso Mark Ruffalo, ótimo como o tranquilo e sedutor Paul, poderia surgir em outras circunstâncias que não a de doador de esperma. Ele chega e promove uma fissura numa parede que parecia bem construída e também trinca sua imagem de livre, leve e solto. Quer sossego e descobre isso por meio dos filhos que não sabia que tinha.
Óbvio que por mais que seja comprovada a questão sanguínea, paternidade e maternidade nada tem a ver com parir ou fecundar. É o hábito e a presença que constroem os vínculos. Nic e Jules sabem disso, mas como todo e qualquer humano, sentem medo diante do desconhecido. Vendida como uma comédia, o filme de Cholodenko provoca boas risadas sem precisar apelar para piadas. É a situação, as escolhas, os deslizes que fazem o sorriso do público surgir. Por isso mesmo, causa estranheza depois que acontece. Rimos de uma traição, de uma mudança de atitude que poderia acontecer com qualquer um e não seria nada engraçado na tal vida real.
Todos os personagens, em especial Nic, Jules e Paul, parecem velhos amigos nossos, aqueles com quem dividimos as durezas e alegrias. E quanto mais diversos forem nossos amigos, mais teremos experiências, mais aprenderemos como lidar com nossos problemas e mais ombros sinceros teremos para chorar nossas mágoas. Esqueça o Estatuto da Família. A verdadeira, aquela que acorda e dorme junto, faça chuva ou faça sol, é o que importa. Seja ela como for. Com suas mães e seus pais.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.