Fanny e Alexander (Fanny och Alexander; 1982) foi dado, por seu realizador, o sueco Ingmar Bergman, como o último filme que faria para o cinema. Ele já se considerava sem forças físicas para suportar a estrutura duma produção cinematográfica. Como Bergman ainda viveu muitos anos (faleceria em 2007), ele seguiu fazendo o que sabia fazer, encenações: no teatro e para a televisão, pois, segundo ele, lhe exigiriam menos trabalho. Rapidamente se considerou Fanny e Alexander a suma, ou o testamento, estética da obra de Bergman: todos os seus temas estariam ali. Isto não é verdade: apesar do rigor plástico de encenar, produzindo imagens de grande expressividade, Fanny e Alexander, em sua faceirice de filmar, é bastante mais superficial que aquilo que se pôde desfrutar no cinema do diretor ao longo das décadas; mesmo um antigo Bergman com o qual Fanny e Alexander se parece formalmente, a obra-prima Sorrisos de uma noite de amor (1955), adota uma densidade que certas ligeirezas de cena do filme dito final estorvam. Creio que o último filme que ele rodou, o crudelíssimo Sarabanda (2003), feito naturalmente para a televisão, tem mais os aspectos de suma duma obra voltada para o inferno da alma e suas cores de borrões vermelhos (borrões que existem nos construídos cenários de Fanny e Alexander mas de maneira mais álacre).

Uma cena característica da brincadeira mais leve e digestiva da narrativa de Fanny e Alexander é a sequência em que um tio reúne, à margem das impostações do jantar de Natal (belo e no entanto fácil demais em suas intenções de época), as crianças para soltar seus fogos natalícios ao longo duma escada do interior da mansão dos Ekdhal: os fogos são na verdade os peidos divertidos e diversionistas do tal tio. Autobiográfico, Fanny e Alexander tem essas amabilidades fáceis. Peidos ao largo duma encenação de Hamlet, que talvez no filme ela passe quase despercebida, tão despercebida que nos anos 80 meu amigo Tuio Becker, ao ler o texto-roteiro, se surpreendeu com a cena de Hamlet me perguntando se havia no filme tal cena (na época, eu também não me lembrei de cara).

Agora, revendo o filme e relendo o sempre preciso texto-roteiro de Bergman, ainda e sempre lamento que eu, um bergmaniano dos quatro costados, não partilhe o entusiasmo de muitos por Fanny e Alexander, um belo Bergman menor. Sinto-me um pouco como a criada Justina de Fanny e Alexander (interpretada por uma das bergmanianas nativas, Harriet Andersson), uma pessoa má que entrega Alexander aos maus tratos do Bispo Edvard casado em segundas núpcias com a mãe de Alexander e Fanny. Gostaria mais de ser mais dócil ao filme, ter o espírito da personagem de Harriet jovem em Sorrisos de uma noite de amor, também uma criada, porém mais solta, menos rígida. Infelizmente não o sou. Revisto/relido em épocas distanciadas na minha vida, Fanny e Alexander é para mim um Bergman super-estimado. Ainda: talvez para sempre.

(Eron Duarte Fagundes : eron@dvdmagazine.com.br)