O Mais Avancado dos Cineastas e Suas Anotacoes em Livro
Alexander Kluge, o maior dos cineastas vivos, eh tamb?m um pensador extraordinario
No livro Alexander Kluge: o quinto ato (2007), editado para acompanhar uma mostra de filmes do cineasta alemão pelo Brasil afora faz alguns anos, uma das histórias de Kluge fala de suas relações com o diretor de cinema francês Jean-Luc Godard. “Encontrei-me com Godard, meu modelo cinematográfico, apenas três vezes na vida.” É o próprio Kluge que se refere a seu “modelo”, o que facilita as alusões que tenho ouvido, desde a década de 80, ao cinema de Kluge: cinema godardiano, Despedida de ontem (1966) é puro Godard, me disseram. Devo contraditar. Kluge é um artista único; sua montagem tem uma reflexão diferente daquela de Godard, é uma montagem que se endereça (germanicamente) a desestruturar a loucura e o absurdo da lógica, enquanto o bom francês Godard parece divertir-se com os pensamentos entrechocando-se; Kluge nada tem de A chinesa (1967), o delírio faceiro do verbo em Godard, embora Duas ou três coisas que eu sei dela (1967), antecipe algumas propostas (exemplificações esparsas da vida cotidiana, voz-over) que depois Kluge aprofundaria e modificaria numa obra-prima como A patriota (1979), e bem assim o francês Alain Resnais faria à sua maneira (as idéias como mote de uma estrutura dramática) em Meu tio da América (1980), um filme que, pela felicidade estrutural de Resnais, teve mais repercussão comercial no cinema.
Partamos do axioma. Godard é o modelo de Kluge. Numa entrevista para uma revista eletrônica exibida na televisão e reproduzida no livro Alexander Kluge: o quinto ato, Godard é o entrevistado e Kluge é o entrevistador. A questão levantada é o conceito de amor cego. Godard faz sua tergiversação bem gaulesa, mas Kluge, agudíssimo, lhe mostra uma imagem. Disseca diante de Godard os significados profundos desta imagem e exibe um conceito inesperado de amor cego. Se para Godard o amor cego é o amor que não questiona, para Kluge é preciso separar o substantivo (amor) do adjetivo (cego) para sair do clichê e chegar ao concreto da expressão. Um caminhoneiro cego dirige pela estrada guiado pelas palavras de seu filho ao lado: eis a imagem, eis a história. O amor é do menino, a cegueira é do homem: eis o conceito. Resultado? Godard não é bem o modelo de Kluge.
Alexander Kluge, o maior dos cineastas vivos, é também um pensador extraordinário. Talvez só o francês Edgar Morin possa ocupar hoje um lugar tão elevado quanto o dele no panorama cultural do mundo.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br