A Moeda do Absoluto: O Cinema de Godard
Historia(s) do Cinema (Histoire(s) du cinema; 1998) se trata de uma serie documental em torno do cinema
Jean-Luc Godard nasceu para o cinema que não poderia prescindir de Jean-Luc Godard. História(s) do cinema (Histoire(s) du cinéma; 1998) é uma série documental em torno do cinema (sua história, sua essência, suas relações com a própria História) filmada em oito episódios exibidos originalmente na televisão francesa e depois divulgados como o que são em seu conjunto, um filme-rio de Godard feito ao longo de dez anos, de 1988 a 1998, provavelmente a mais ambiciosa reflexão poético-existencial do cineasta em volta de coisas que o obsessionam e assombram.
Como habitualmente Godard faz em suas narrativas, e no entanto de maneira exacerbada e avançando para transformações ensaísticas, em História(s) do cinema as citações abundam, filmes, pinturas, escritores desfilam pelas imagens e palavras de Godard; mas nunca são referências frias ou passageiras, como uma leitura superficial de seu método de filmar e encenar determina, antes a agudeza e a profundidade com que o cérebro de Godard monta as alusões diversas se realçam como um estágio maior do cinema.
Como uma regra do jogo (o clássico filme de Jean Renoir, considerado outrora por François Truffaut a “suma dos cinéfilos”), Godard vai alinhando com rara precisão as pistas de sua linguagem cinematográfica. Um dos episódios chama-se “a moeda do absoluto”. O letreiro-gigante do episódio vai aparecer em diversos outros episódios, em imagens variadas, cruzamentos, confluências, bifurcações. Como na literatura do argentino Jorge Luis Borges (também citada no megadocumentarioensaio de Godard), há este absoluto em moeda que o narrador-pensador desenvolve ao correr das ideias.
Lá vem o americano John Cassavetes e o brasileiro Glauber Rocha, para uma só história. E Godard, cuja voz soturna e estranha se põe —voz-over— atrás ou por cima das imagens orientando-as e propondo na relação de montagem entre a palavra e a imagem, se transforma absolutamente diante duma câmara, ou da criação da imagem. Há o espanto —voz e imagem— diante das alturas a que chegou o grande cinema italiano, de Rossellini, Antonioni, Visconti, Fellini. Como pôde? se pergunta Godard ou aquele que ele é dentro do cinema. Todo cinema está aqui. Todo o cinema está ali. Os signos entre nós: Godard se põe dentro deles, fecha-nos num quarto com estes signos e dali não logramos sair. Nesta densa, perplexa e demente moeda do absoluto, criada de maneira também absoluta, o espectador de Godard vai topar tudo o que interessa. Palavra, imagem, livro de imagem, adeus à linguagem, as últimas paixões de ver.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br