Quando Indiana Jones Encontra Arquimedes: O Buraco do Cinema na Historia

Em Indiana Jones e a Reliquia do Destino o realizador Steven Spielberg abdicou da direcao e chamou James Mangold

31/07/2023 14:33 Por Eron Duarte Fagundes
Quando Indiana Jones Encontra Arquimedes: O Buraco do Cinema na Historia

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Certas continuações no cinema são muitas vezes um processo catártico de nostalgia para os espectadores mais velhos e para as pessoas envolvidas com a produção, especialmente os atores. É o caso (notório) de Indiana Jones e a relíquia do destino (Indiana Jones and the dial of destiny; 2023), que apanha a personagem na extrema velhice, aquele mesmo indivíduo de imagens que vimos em tempos jovens (nossos e mesmo dele) em Os caçadores da arca perdida (1981), que, independentemente da posição que se possa ter em relação a seus resultados como filme mesmo, é um marco inevitável da história do cinema como objeto de análise e como fenômeno de exibição. Sabe-se que a pré-estreia da produção numa sessão em Los Angeles foi marcada pela emoção retrospectiva de todos; no centro, claro, a comoção de Harrison Ford, o próprio Indiana Jones, o ator certamente recuperando na memória seu lugar na história do cinema e o próprio passar dos anos para ele desde a juventude. E todos nós, admiradores ou não das  aventuras visuais do arqueólogo vivido por Ford, experimentamos esta catarse: para recordar, entre outras coisas, a discussão sobre o fascínio (mais comercial que artístico) que as correrias de Indiana Jones provocavam nas plateias, que éramos nós, em graus e interesses diferenciados.

Em Indiana Jones e a relíquia do destino o realizador Steven Spielberg abdicou da direção e chamou James Mangold (que fez pelo menos um filme curioso, Garota, interrompida, 1999, aquele com uma jovem Angelina Jolie vivendo uma irreverente interna de manicômio) para o trabalho braçal. Spielberg ficou na produção executiva, onde teve a colaboração de seu amigo e parceiro de geração George Lucas. Não se sabe bem os motivos de Spielberg recuar da direção, de que se incumbira nos quatro outros filmes da personagem e neste quinto estava inicialmente pronto para o fazer. No entanto, Mangold, utilizando seus atributos de artesão, coisa que Spielberg também é, copia os tiques da linguagem cinematográfica de Indiana que é algo à parte dentro da própria linguagem de Spielberg. O espectador que vem ao longo dos anos acompanhando as peripécias da criatura, entre a ciência e a aventura ou a ciência como aventura, não sente diferença essencial: o processo artesanal de construção duma narrativa cinematográfica adota algo de mecânico. É claro que a velhice da personagem segura em parte aquela agilidade dos anos 80, afetando inclusive um certo ritmo de narrar, um pouco mais lento. Ainda assim, o rocambolesco das ações busca a diversão do observador. Assim, Indiana Jones, para fugir de seus algozes nazistas, chega a andar a cavalo (correr a cavalo) pelas ruas duma cidade contemporânea. E, de aventura em aventura, ou fuga em fuga, Indiana Jones e sua turma (Helena Shaw, sua afilhada, na pele de Phoebe Waller-Bridge, e Teddy Kumer como um menino árabe vivido por Ethan Isidore, à frente) vai ter ao cerco de Siracusa, na Grécia antiga, onde o arqueólogo dá com sua admiração máxima, o matemático helênico Arquimedes (na interpretação do britânico Nasser Memarzia). É neste buraco da história que o filme de Mangold/Spielberg quer encontrar seu público híbrido, que, julgando-se pelas bilheterias iniciais, estaria abaixo das expectativas e longe da tradição da personagem.

Karen Allen, que, bem envelhecida, aparece lá pelo fim numa única e terna cena com Ford, algo como uma participação afetiva. Acontece que a atriz se queixou desta aparição minúscula; disse que Spielberg, que inicialmente dirigiria o filme, lhe prometera um grande espaço na narrativa e, com a chegada de Mangold, tudo mudou e ela estava decepcionada com o que lhe reservaram. Mas o dono do filme não era mesmo Spielberg? Ou ele preferiu dar carta branca a Mangold? De quem é o filme, afinal? Pode-se pensar, ao modo antigo do cinema, no produtor como um criador. Pode-se dizer que estes dados conceituais não atrapalham a essência: Indiana Jones permanece, a despeito de todas as reservas, e permanece fiel a si mesmo, ao que ele é.

O famigerado chapéu de Indiana Jones vai encerrar Indiana Jones e a relíquia do destino. O plano final é uma íris da câmara que se fecha sobre a imagem do chapéu, um dos signos de Indiana. Indiana Jones é, desde seu embrião, um projeto cinematográfico inteiramente comercial; mas é tão forte, pode-se dizer hoje com a distância no tempo, que adquire peso na história do cinema, ultrapassando em muito os aspectos passageiros do grosso da produção comercial a que naturalmente os filmes (todos os da personagem) se filiam. Demais, de impetuoso de fato, a partitura de John Williams; fica-se até o fim dos créditos para desfrutar os sons deste mestre da música no cinema.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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