O Obscuro Desejo

Liliana Cavani tem hoje noventa anos mas ainda tem energia para fazer filmes

14/10/2023 02:06 Por Eron Duarte Fagundes
O Obscuro Desejo

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Em seu tempo, O porteiro da noite (Il portiere di notte; 1974), provavelmente o mais bem realizado e cinematograficamente sedutor filme entre os precários trabalhos que a italiana Liliana Cavani rodou, causou tumultos entre as plateias por seu teor de peça de escândalo, de roteiro provocativo. No caso brasileiro, os anos plúmbeos atrasaram sua exibição entre nós, a censura só o liberou mais para o final da década, em Porto Alegre se pôde conhecer o filme na temporada de 1980. Mesmo assim, o calor das ideias ainda aquecia os debates.

À maneira dos anos 70, a realizadora lança em cena uma autêntica vespeira temática. Na Viena do fim da década de 50, um ex-torturador nazista, agora travestido do porteiro noturno dum hotel, e uma judia que sobreviveu aos campos de concentração se encontram nos mesmos espaços; no universo nazista da época da guerra, eles desenvolveram uma relação erótica sadomasoquista em que o elemento machista e totalitário do homem submetia a mulher; agora, treze anos depois, na capital austríaca, lenta e inapelavelmente eles retomam aquele estranho amor, agora ela é mais cruel, ele mais infantil, a cena em que ela quebra vidros no chão para que ele ande e se machuque e depois eles transam misturando o sangue dele nos corpos em êxtase é sobrevalorizado pelas encenações criativas de Dirk Bogarde e Charlotte Rampling. Quando o filme atingiu o auge de sua visibilidade nos anos 70, o que incomodou a muitos era a possibilidade de um amor entre uma torturada e seu algoz, poucos entenderam a inversão de papéis, a forma ativa da volúpia da mulher.

O porteiro da noite navega pelas sombras de Os deuses malditos (1969), do italiano Luchino Visconti, de onde se extraiu parte das interpretações de Dirk e Charlotte para o dueto de agora. E cruza certas coisas da obscuridade do desejo que outro italiano, Bernardo Bertolucci, filmou em O último tango em Paris (1972). Certamente falta a Cavani o refinamento profundo de Visconti e a voluptuosidade da relação entre cenários e movimentos de câmara que Bertolucci inventou. Mas não se pode negar relevância ainda a O porteiro da noite. A cineasta superficializa certas coisas das ideias dramatúrgicas em seu cinema. Mas em O porteiro da noite ela se aproxima em alguns momentos da grandeza de filmar.

P.S.: Liliana Cavani tem hoje noventa anos mas ainda tem energia para fazer filmes. Ela vem aí com um novo filme, A ordem do tempo (2023), lançado este ano em Veneza e visto aqui no Brasil no Festival do Rio.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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