A LOUCURA E A NAUSEA DE UMA MULHER: DESEJO DE VIVER, DESEJO DE MORRER

O Livro dos Prazeres repoe em cartaz estas indagacoes e perplexidades dum cinema muitas vezes oculto

01/12/2022 02:41 Por Eron Duarte Fagundes
A LOUCURA E A NAUSEA DE UMA MULHER: DESEJO DE VIVER, DESEJO DE MORRER

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O livro dos prazeres (2022), filme dirigido por Marcela Lordy, parte da literatura de Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969). No entanto, tem uma intensidade cinematográfica à beira da escrita de Clarice. Ainda assim, capta, do ponto de vista da construção duma narrativa em filme, as loucuras ou os abismos íntimos que Clarice sempre expressou em orações à deriva. Na cena de O livro dos prazeres o que o espectador acompanha, num rigor plástico lento e minucioso, é a loucura e a náusea de uma personagem, uma mulher que não compreende os caminhos de sua existência, onde a dor íntima contrasta com o prazer físico.

Nas sequências iniciais a vida cotidiana, monótona mesmo de Lóri, a jovem professora, é intersticialmente sublinhada por vários relacionamentos sexuais a esmo; as filmagens destas cenas de sexo são escuras e rápidas, e indicam um prazer que nasce mecanicamente na personagem. Há uma espécie de desenho do tédio na composição cênica. Mais adiante, quando Lóri se relaciona com Ulisses, um cético e irônico professor de filosofia argentino, o sexo em cena tem imagens mais claras dos corpos, da genitália, e sai de sua mecânica fácil. Até chegar aos pequenos planos-sequência lá do fim do filme, entrecruzados na montagem, para assoprar um encontro entre a loucura, a náusea e o desejo de viver ainda que viver seja dor.

É certo que, além do engenho de encenação de Marcela, cuja ousadia estética é constante ao longo de todo o filme, o extraordinário desempenho de Simone Spoladore ajuda a compor com agudeza esta criatura feminina perplexa diante do estado interno de viver. Em todos os seus estratos, O livro dos prazeres é uma obra cinematográfica que não aceita facilmente as intenções de compreensão a que o espectador é habitualmente convidado ao ver um filme. O cinema atual, planificado muitas vezes em forma de régua, desabituou o observador destes achados dos quais antigamente diretores como Michelangelo Antonioni ou Bernardo Bertolucci estavam à espreita. O livro dos prazeres repõe em cartaz estas indagações e perplexidades dum cinema muitas vezes oculto.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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