Um Clssico Quase Esquecido

Claude Goretta fez de Um amor to frgil um canto sensivelmente melanclico da incomunicabilidade humana

23/01/2015 16:17 Por Eron Duarte Fagundes
Um Clássico Quase Esquecido

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O nome do cineasta suíço Claude Goretta talvez não diga muita coisa aos cinéfilos brasileiros de hoje: está fora de catálogo, pois há muito tempo seus trabalhos não são reprisados por aqui, quer nos cinemas, quer em VHS ou dvd. Mas nos anos 70 Goretta foi um dos “queridinhos” de quem amava um cinema empenhado reflexivamente. Sua obra mais amada foi Um amor tão frágil (La dentellière; 1977), onde o espectador atual pode aquilatar a força duma profundidade cinematográfica que em seu tempo rivalizou com a do francês Eric Rohmer e de outro suíço, igualmente pouco evocado hoje, Alain Tanner.

A origem do filme de Goretta é um romance francês escrito por Pascal Lainé. O próprio Pascal colaborou no roteiro do filme com Goretta. E a história íntima e reflexiva de Pascal faz jus a seu nome: é pascalianamente francesa, especialmente depois da introdução da principal personagem masculina, um estudante de letras que tergiversa intelectualmente com a naturalidade de quem come doces. Uma das curiosidades é que o romance de Lainé foi traduzido em 1975 no Brasil por Clarice Lispector; dois anos depois, Clarice publicaria A hora da estrela e, ao que se diz, foi influenciada pelos conflitos entre simplicidade e intelectualidade do texto de Lainé que ela costurou a personagem de Macabéa, embora nada possa haver mais diferentes do que a nordestina de Clarice e a provinciana gaulesa de Lainé.

Claude Goretta fez de Um amor tão frágil um canto sensivelmente melancólico da incomunicabilidade humana: somos diferentes e a comunicação entre nós é precária, parece dizer a todo o instante esta obra-prima de Goretta. Nos primeiros movimentos do filme, já se estabelece um dueto de personalidades: duas amigas, Beatriz (também chamada Pomme) e Marylene, trabalham num salão de beleza; Pomme é tímida e virgem, Marylene é extrovertida e tem um caso com um homem casado que a dispensa lançando-a em agressiva depressão. Saindo as duas de férias para Cabourg (nestas digressões delas há algo que depois o francês Rohmer aproveitaria em seu mais belo filme, O raio verde, 1985), Marylene encontra um homem, abandona Pomme, cujo encontro com François, o jovem estudante de letras, é descrito por Goretta com sutilezas de intenções: enquanto ele faz suas citações evocando Marcel Proust em seu apanhado duma crônica da vida de Cabourg, ela devora seu sorvete no bar à beira-mar. Evidentemente o caso de amor entre os dois, inevitável, não vai dar certo; François, abandonando-a, vai minar-se de culpa, pois sempre teve vergonha dos tons simplórios de sua namorada (as cenas com seus amigos de universidade ou em casa de seus pais onde ele se esforçava por manter a garota de boca fechada são exemplificativas deste sentimento); Pomme, abandonada, enlouquece, criando uma vida de fantasia, inventando viagens a Mykonos, na Grécia (que aparece num cartaz da clínica onde ela se trata), e novos amantes que estariam aplacando sua solidão.

Isabelle Huppert em seus começos cria uma personagem tão diferente de si de maneira aguda e convincente. Como ela ainda não era uma estrela, seu encaixe no elenco pouco conhecido se dá pelo padrão natural. Como nos filmes do francês Robert Bresson, o que temos são os chamados modelos instintivos e não os intérpretes habituais na pele dos atores. Observe-se ainda a precisão das marcações cênicas da música de Pierre Jansen. E por aí temos um dos marcos do cinema europeu dos anos 70 que mereceria uma ressurreição plena.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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