A Herana do Estudante

O francs Pierre Bourdieu talvez seja o mais vido estudioso da educao no mundo ao longo do sculo XX

05/05/2015 10:40 Por Eron Duarte Fagundes
A Herança do Estudante

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O francês Pierre Bourdieu talvez seja o mais ávido estudioso da educação no mundo ao longo do século XX. Seu livro Os herdeiros: os estudantes e a cultura (Les héritiers: les étudiants et la culture; 1964), agora traduzido no Brasil pela editora da Universidade Federal de Santa Catarina, apareceu na França poucos anos antes dos movimentos estudantis, turbulentos e perturbadores, de meio de 1968 em Paris. Na verdade é um texto antecipador de onde vão ter os conflitos sociais nascidos das desigualdades (culturais, econômicas, sociais) das sociedades do século passado: nos bancos escolares. Embora a escola, como elemento de disseminação dos conhecimentos, devesse ser igual para todos e ignorar o que há de desigual nas origens dos alunos, Bourdieu, amparado numa pesquisa que fez com Jean-Claude Passeron, traz à luz um ensinamento básico sobre a escola, ela na verdade ajuda a aprofundar estas desigualdades, pondo em primeiro plano a cultura das elites e relegando a uma questão secundária (quando não eliminando) aquilo que o aluno das classes economicamente desfavorecidas traz de seu meio.

Bourdieu sabe do que fala. Suas origens estão num povoado camponês dos Pirineus franceses. Para vencer, certamente teve de incorporar os métodos culturais do outro, o mais favorecido. Se chegou lá, é apesar da rejeição cultural a um herdeiro camponês. A exceção —o fato de um filho de camponês brilhar na Sorbonne— não serve para muita coisa, a exceção, como arcabouço de um fato social.

Anota Bourdieu: “Basta constatar e lastimar a desigual representação das diferentes classes sociais no ensino superior para estar quite, de uma vez por todas, com as desigualdades diante da escola? Quando se diz e se rediz que há apenas 6% de filhos de operários no ensino superior, é para chegar à conclusão de que o meio estudantil é um meio burguês? Ou então, substituindo o fato pelo protesto contra o fato, não se faz esforço, frequentemente com sucesso, para persuadir-se de que um grupo capaz de protestar contra seu próprio privilégio não é um grupo privilegiado?”

Borudieu faz suas exclamações numa França de ensino gratuito para todos, imagine-se o que ele encontraria no Brasil para analisar as desigualdades culturais na escola. Passado meio século, é possível observar-se que as coisas não mudaram muito: a exacerbação da desigualdade está aí e o fosso social que a escola propaga é ainda um abismo.

Morto em 2002, mal entrado o novo milênio, Bourdieu cruzou as décadas do século XX como uma voz de inteligência aguda pelas reformas educacionais que amainassem o convívio dos desiguais nas classes escolares. No entanto, às vésperas de sua morte, a energia de seu pensamento esteve às voltas com outra questão excruciante de seus contemporâneos. Em seu opúsculo Contrafogos 2; por um movimento social europeu (Contrefeux 2: pour un mouvement social européen; 2001) Bourdieu levanta a força de sua pesquisa antropofágica para denunciar as armadilhas do neoliberalismo, e os perigos de entregar aos humores do mercado a inteligência do homem do século XX, isto é, o perigo de que estes humores, que seguem o vento, possam destruir a própria inteligência humana. No coração do livro, umas evocações exemplares, “Os grãos de areia”. “Se eu disser que a cultura está atualmente em perigo, que está ameaçada pela influência do dinheiro, e do comércio, e do espírito mercantil, de múltiplas faces, ibope, pesquisas de marketing, expectativas dos anunciantes, números de venda, lista de best-sellers, dirão que estou exagerando.” Mais adiante, Bourdieu se dirige aos homens de boa vontade que tem algum poder sobre as coisas culturais, lembra-lhes que eles podem lançar seus grãos de areia nesta engrenagem lubrificada autofágica. Bourdieu morreu em 2002 no torvelinho destas destruições; o panorama que a humanidade herdou não é muito alvissareiro para tranquilizar o túmulo do grande filósofo no Père-Lachaise, precisaríamos de outros cérebros como o dele para mudar o curso desta herança.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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