No Meio do Caminho de Otto Maria Carpeaux
Como leitor de Carpeaux, e dos livros em geral, sou um garoto excitado
A primeira vez em que pisei no Rio de Janeiro, uns dois ou três dias antes Otto Maria Carpeaux morrera neste mesmo Rio. Era no princípio de fevereiro de 1978. Ao voltar da viagem, brinquei com alguns amigos: “Ele nem me esperou para o enterro...” Otto e o Rio, dois processos de minha imaginação, dois processos míticos. Um era a literatura, esta coisa estranha que eu amava mais do que tudo estranhamente, a outra (uma cidade) a grande ilusão de atingir o verdadeiro centro do país. Otto nasceu na Europa, em 1900; como minha avó paterna, que também nasceu em 1900, mas ela, entre os cerros dos campos de cima de serra no interior gaúcho; sempre brinquei com isto em minha mitologia particular, vovó e Otto (que seria uma espécie de meu avô intelectual, função que anos depois no Rio Grande do Sul foi assumida por meu amigo Décio Freitas) acompanhavam a idade do século: vovó morreria pouco mais (meses) de dez anos depois de Otto.
Lucubrações estas vêm a pelo a propósito da leitura de História da literatura ocidental (1959). Estou no segundo volume, aquela que começa em Cervantes e Shakespeare, os renascentistas natos, e termina em Goethe, a última das Renascenças. Em meus tempos de adolescente, na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, li esparsamente trechos destes memorável livro e outros ensaios de Carpeaux. Passadas algumas décadas, meu deslumbramento adolescente permanece: como leitor de Carpeaux, e dos livros em geral, sou um garoto excitado. Rabelais ou Pascal, Dante ou Laclos, nobres ou plebeus, sociedade ou indivíduos são nítidas personagens dum afresco cultural pintado com extrema vivacidade por uma mente soberba que na verdade nos assoberba, isto é, não dá descanso, impede qualquer preguiça literária.
Aquilo que Carpeaux escreve de Liaisons dengereuses, de Laclos, “são uma obra intemporal, porque propriamente diabólica”, serve a definir o próprio livrão-ensaio de Carpeaux: ao contrário do que acontecia num opúsculo do francês Raymond Radiguet, o diabo não está no corpo, o diabo está na mente. É esta ação forte que empurra História da literatura ocidental para esta sensação de fascínio interminável.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br