A Multiplicidade tnica na Alma de um Filme

Avanti Popolo (2013), dirigido em So Paulo por Michael Wahrmann, traz em seu bojo uma estranha e original aparncia que vem muito das etnias que acabam por encontrar-se nas mos de seu realizador

14/08/2016 00:55 Por Eron Duarte Fagundes
A Multiplicidade Étnica na Alma de um Filme

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Avanti popolo (2013), dirigido em São Paulo por Michael Wahrmann, traz em seu bojo uma estranha e original aparência que vem muito das etnias que acabam por encontrar-se nas mãos de seu realizador. Wahrmann é uruguaio, tem descendência israelense, mas vive há algum tempo em São Paulo. Podemos descobrir nas opacas imagens que recobrem a narrativa de Avanti popolo (tudo é muito escuro em cena, numa perspectiva de exigir antes a reflexão que os aspectos fáceis do impacto cinematográfico) um pouco deste cinema uruguaio longínquo e desaparecido nos campos solitários de nossa fronteira, outro tanto dos ecos ancestrais do ainda mais remoto e ignorado cinema israelense (o narrador-over, cuja voz é construída pelo próprio diretor, refere um aclamado filme israelense cujo título é também “avanti popolo”) e deságua naturalmente nas curvas do cinema paulista, entre intelectual e subterrâneo, aquele cinema que gerou Walter Hugo Khouri e Carlos Reichenbach, antípodas-irmãos. Khouri já estava morto quando Wahrmann começou a rodar suas cenas, mas Reichenbach ainda respirava. Em Avanti popolo Reichenbach, numa de suas últimas aparições públicas antes de morrer (faleceu em 2012), interpreta um pai que acolhe em sua casa o filho madurão que vem de separar-se da esposa (há aí uma semelhança de argumento inicial com outro filme brasileiro visto este ano, Quando eu era vivo, 2013, de Marco Dutra); maravilhosamente composto, Reichenbach segue o ritmo reflexivo do filme acompanhando com o brilho de sua presença cênica a contemplatividade daqueles exasperantes longos planos fixos em que Wahrmann se esmera (há alguns destes planos que parecem deter-se preguiçosamente junto ao portão da casa, observando somente a imposição de Reichenbach dentro do plano, criando ali provocações notáveis para o observador). No desempenho de Carlão já se vê a melancólica decrepitude do indivíduo que viria a morrer; Avanti popolo, assim, é um pouco uma radiografia da doença que mataria o cineasta de Extremos do prazer (1983), por sinal um dos mais atrevidos e plenos de êxtase hinos à vida perpetrados pelo cinema brasileiro; a outrora voz poderosa de Carlão (que nos anos 70 e 80 inundava os salões e as rodas cinematográficas do Festival de Cinema Brasileiro de Gramado) em Avanti popolo pronuncia um português murmurado, quase monossilábico e com alguns temores —destas coisas vem muito a contribuição fundamental do intérprete Carlão para o filme de Wahrmann, é aí, nesta peculiar caracterização de ator dum homem de cinema como Reichenbach, que se deposita um dos aludidos legados paulistas para o cinema deste uruguaio e israelense.

Avanti popolo, que está recheado de planos imóveis, o que gera uma certa estaticidade perturbadora e incômoda, abre com um plano móvel, um travelling: a câmara está a bordo dum carro, vai entremostrando as ruas da cidade à noite enquanto um locutor radiofônico (é a voz-over de Wahrmann) conversa com seus ouvintes e, claro, conosco, espectadores do filme que viramos seus ouvintes, como num rádio. André Gatti vive o desajeitado filho, e o ator busca emular em seus gestos a falta de jeito do madurão imaturo. Eduardo Valente, crítico de cinema que brilha nos caminhos da internet e já chegou a fazer filmes, aparece como um motorista de táxi: há algo de Scorsese neste taxista noturno em que embarca a criatura do filho? Há uma cena do filho no estúdio dum diretor em Super-8 cujo diálogo parece remeter ao próprio processo de Avanti popolo. Pergunta o filho ao cineasta sobre o tipo de cinema que faz. O diretor fala numa espécie de cinema solitário. O filho, leiga mas muito justamente, lembra que este adjetivo fere um pouco a natureza habitual do cinema, que é coletiva. Avanti popolo se estrutura nestes paradoxos: parece solitário, mas busca coisas no cinema onde se forma, o cinema paulista, e até em clássicos brasileiros, pois a cadela que acompanha Carlão em cena é nomeada Baleia, como aquela de Vidas secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos. Segundo o realizador de Avanti popolo, o nome do animal foi sugerido por Carlão, que amava o filme de Nelson.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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