Pelos Olhos de Salome, A Morte da Avo e os Parentes
Alma Viva traz um pe na modernidade por uma montagem que traz rigor e no entanto uma paradoxalmente alegre espontaneidade
Alma viva (2022) é um filme português da aldeia portuguesa, mas tem algum pé na França, ouvimos basicamente o português mas há trechos de falas em francês que se cruzam com o luso, pois no funeral que se encena a certa altura vêm parentes de longe, gente que vive na França. A realizadora de Alma viva, Cristèle Alves Meira, é portuguesa mas foi criada na França, onde nasceu mesmo, pois seus pais saíram de Portugal nos anos 70, antes de Cristèle nascer, para fugir às precárias condições de vida no meio rural do Norte lusitano, sob Salazar. Assim, Alma viva transita entre dois mundos, relações arcaicas com Portugal, viscerais, e um pouco na França, e é uma coprodução entre os dois países. Cristèle, que vive na França, como uma francesa, visita o universo de origem com seu belo filme.
Feito com extrema sensibilidade, revelando um domínio absoluto da concentração de meios em que se filma, buscando a essência do olhar cinematográfico na maneira de ver duma criança, a pequena Salomé de nove anos de idade que num tempo de férias vê sua avó morrer numa cama, a seu lado, Alma viva é uma obra de construção narrativa rara. Acertando em cheio ao utilizar no papel central sua própria filha, Lua Michel, Alma viva acentua o domínio da encenação por Cristèle desde o controle íntimo de suas relações com os intérpretes. Algo à semelhança do que faziam, em sua época, o sueco Ingmar Bergman e o espanhol Carlos Saura. Lua, particularmente, é a verdadeira alma viva: a alma que sobrevive na alma-fantasma da avó morta.
Ancorado em parte no cinema clássico de feição psicológica, Alma viva traz um pé na modernidade por uma montagem que traz rigor e no entanto uma paradoxalmente alegre espontaneidade.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br