O francês Jacques Lacan construiu seu universo teórico em seminários: como um Sócrates da atualidade, seus ensinamentos foram sobretudo orais. Mas, na época dos livros impressos, suas ideias básicas podem ser encontradas no volume Escritos (Écrits; 1966). Leitor voraz e perspicaz de Sigmund Freud, atento esgrimista das ideias duma filosofia psicanalítica baseada na realidade disfarçada da conduta, Lacan concentrou suas obsessões mentais no universo do Eu, que é o que determina, segundo ele, a existência de tudo o mais. “O modo pelo qual um conhecimento se especifica por suas estereotipias, e igualmente por suas descargas, por dar testemunho de uma outra função, podia prestar-se a enriquecimentos a que nenhum academicismo, ainda que da vanguarda, não teria recusado sua benevolência.”

No estudo do Eu, suas relações com o mundo, o sexo, como já era em Freud, é um dos assuntos que ocupam bons espaços nas divagações de Lacan. “É em todas as fases genéticas do indivíduo, em todos os graus de realização humana em sua pessoa, que encontramos esse momento narcísico no sujeito, num antes em que ele deve assumir uma frustração libidinal e num depois em que ele transcende a si mesmo como sublimação normativa.” Aventurando-se por Sade, Gide e a sexualidade feminina, a partir dos estatutos psicanalíticos hauridos em Freud, Lacan todavia é consciente das limitações, ainda que não as objetive: “Ouvir não me força a compreender.” Ouvimos Lacan, vemos os liames de sua sintaxe passarem, esforçamo-nos por seus símbolos. Mas logo damos com a advertência lacaniana: “Um nó que não se pode desfazer é a estrutura do símbolo, aquela que faz com que só se possa fundamentar uma identificação se alguma coisa contribuir para decidir a questão”. O leitor sabe, falta um longo caminho para percorrer até o âmago obscuro de Jacques Lacan.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)