O Ateismo a Partir da Biologia
O pensador frances Jacques Monod, valendo-se de suas aridas teorias, escreveu o classico O acaso e a necessidade
O pensador francês Jacques Monod, valendo-se de suas áridas teorias, escreveu o clássico O acaso e a necessidade (Le hasard et la nécessité; 1970) para concluir que a vida no universo surgiu do acaso. Não é uma necessidade a priori do universo ter vida; foi um acidente único que originou o primeiro organismo vivo e daí os acasos foram acumulando variações genéticas até chegar ao homem.
A angústia do ser humano perdido entre a crença e a descrença, é examinada com rigor científico por Monod. Em seu tempo o ateísmo tinha mais prestígio que hoje. Longe se vão os tempos de Jean-Paul Sartre, outro francês perverso. Atualmente a guinada da humanidade está mais para as crenças religiosas; mesmo as manifestações ateias trazem muito de concessão à religiosidade. Monod e Sartre são decadentes no contexto de nossos dias? Em parte sim; noutra parte, não. O cérebro de um leitor de hoje precisa deixar-se seduzir pelo pensamento abissal de Monod e ver seu ego atingir os limites de uma sensação de impotência diante da extraordinária conclusão que ele dá a seu livro. “Talvez se trate de uma utopia, mas não de um sonho incoerente. É uma ideia que se impõe pela força única de sua coerência lógica. Tal é a conclusão a que a busca da autenticidade leva necessariamente. Rompeu-se a antiga aliança. Enfim, o homem sabe que está sozinho na imensidão indiferente do universo, de onde emergiu por acaso. Não mais do que seu destino, seu dever não está escrito em lugar algum. Cabe-lhe escolher entre o Reino e as trevas.”
Eu era bastante jovem quando a primeira vez li este ensaio de Monod, um apocalipse filosófico implacável. Pela mesma época, li um livro de crônicas e ensaio do escritor português Fernando Namora, então na onda entre nós. Namora relata, numa destas crônicas, um encontro com Monod num congresso em Paris. O que evoco agora é a atmosfera sombria das frases do autor luso para retratar o francês. Sombrio, o ateu da França. Mas não mais sombrio que o cristão (ou paracristão) Dostoievski. Se no século anterior, o germânico gótico para lá de sombrio Friedrich Nietzsche já avisara que Deus estava morto, morrera de sua piedade pelos homens, nada mais natural que Monod avançasse e mostrasse, à sua maneira, uma crença biológica (sic): Deus nunca existiu, o universo prescinde da vida. Amém?
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br