A Cidade Vista do Seculo XXI

A Cidade em Todas as suas Formas parece as vezes a obra de um analista de filmes

22/09/2021 02:35 Por Eron Duarte Fagundes
A Cidade Vista do Seculo XXI

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O italiano Fabio La Rocca escreveu um belo livro em francês: A cidade em todas as suas formas (La Ville dans tous ses états; 2013). Para tentar construir, ou entender, como se dá o imaginário da cidade na cabeça do homem do século XXI. Embora navegue em palavras, La Rocca faz o que Michel Maffesoli chama, no prefácio, “pensar com os olhos”. La Rocca escreve com a contemporaneidade do homem do tempo das imagens. Não é por acaso que as referências a filmes são muitas em seu texto; na base de seus argumentos, ele cunha um neologismo: “blade runnerização”. Para o autor, “a poética da cidade pós-moderna encontra sua expressão formal na referência cinematográfica que é Blade Runner, de Ridley Scott (1982).” Blade Runner talvez seja a grande fonte reflexiva das meditações de La Rocca sobre o modo de hoje de ver a cidade; mas não para por aí. A abertura do capítulo 2 tem um tópico nominado “a cidade como personagem cinematográfico”, onde desfilam desde os primitivos filmetes dos Lumière, passando por antigas assombrações de Martin Scorsese (Depois de horas, 1985), terrores de Walter Hill (Warriors, 1979), sensibilidades de Woody Allen (Manhattan, 1979), delírios de David Lynch (Cidade dos sonhos, 2001) ou na utilização da “paisagem como elemento enigmático onde a temporalidade e a espacialidade da existência se estruturam” por parte de Michelangelo Antonioni em trabalhos como A aventura (1960) e O eclipse (1962).

A alusão a Antonioni permite avaliar a profundidade da expressão de Maffesoli, “pensar com os olhos”. Num de seus escritos Antonioni revelou que, quando não tinha nada para fazer, começava a olhar. Era seu trabalho: reconstruir as cidades que via em sua cabeça para depois as traduzir em cinema. Antonioni: o mais autêntico dos pensadores em imagens. Há um filme, não usado por La Rocca em suas argumentações, mas que melhor serviria aos conceitos do livro do italiano, onde “a cidade do século XXI exerce uma fascinação singular no clima sociocultural contemporâneo.” Este filme é O deserto vermelho (1963). Ao apresentar seu filme em Paris, Antonioni aduziu que se tratava duma narrativa sobre um ambiente, não sobre uma personagem; na mesma apresentação, gravada em vídeo, descreve minuciosamente as alterações da cidade mediterrânea de Ravena, vizinha da cidade natal do cineasta, Ferrara, de meio natural para meio industrial, e é este clima “sociocultural” duma metamorfose do urbano que se plasma em imagens em O deserto vermelho, ambientado em Ravena.

A cidade em todas as suas formas parece às vezes a obra de um analista de filmes. Quem sabe os filmes são os que melhor exibem os conceitos de cidade no século XXI. Mas o livro de La Rocca não esconde a literatura de que se nutriu. Cita o clássico italiano As cidades invisíveis (1972), de Italo Calvino, que descreve várias cidades entre o real e o imaginário, como “em Esmeraldina, cidade aquática, uma rede de canais e uma rede de ruas sobrepõe-se e entrecruza-se.” E vai ao ultramoderno romance Neuromancer (1984), de William Gibson, que, diz-se, foi uma das fontes da série Matrix.

A cidade de hoje e de ontem, vista, escrita, filmada hoje, pode criar aquilo que La Rocca define para a expressão “videodrome” de um filme do canadense David Cronenberg: “um novo órgão do cérebro”. Não se sabe se um pós-humano, um inumano ou simplesmente um novo tipo de humano. O que parece certo é que ensaios como A cidade em todas as suas formas nos preparam para a convivência nestes tempos de metamorfoses: como num deserto vermelho.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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