O Primeiro Sucesso de Spielberg

Tubar?o nao envelheceu. Ele permanece o mesmo filme que se pode ver nos anos 70 por aqui

27/06/2022 13:23 Por Eron Duarte Fagundes
O Primeiro Sucesso de Spielberg

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O primeiro sucesso comercial do realizador americano Steven Spielberg foi Tubarão (Jaws; 1975). Em várias cidades do mundo as longas filas para ver este filme davam voltas e voltas em torno das ruas dos cinemas que o exibiam, em meados dos anos 70. Para além da gigantesca campanha publicitária que então se fez com Spielberg e o nome da personagem-chave, o tubarão, às portas do verão americano de 1975, a explicação para tanto atrativo público se concentra nas características (cinematográficas duma época). O roteiro de Peter Benchley (autor do livro original) e de Carl Gottlieb mistura elementos de dois gêneros que então Hollywood adorava, o cinedesastre (as mortes e os sangues humanos nas praias à boca do tubarão são bem isto, como os filmes de aeroportos ou os incêndios na torre, desastres em imagens para saciar algo da morbidez vulgar das grandes plateias) e o filme de horror, aqui especialmente feito dum olhar irônico e cômico (a grande crítica Pauline Kael, que se entusiasmou com Tubarão, anotou: “talvez o filme de terror mais alegremente perverso já feito.”) Em seu tempo, Tubarão foi bem isto: sucesso estrondoso nas bilheterias, inédito então na filmografia de Spielberg (embora ele tivesse feito antes dois filmes bastante melhores que este, Encurralado, 1971, e Louca escapada, 1974) e divisor dos críticos, Pauline o achou inovador, “vira algumas convenções de cabeça para baixo”, mas não soube ver aquilo que ela apontou num filme europeu dos anos 70, Duas mulheres, dois destinos (1977), de Agnès Varda, “sente-se apenas que algumas de suas células cerebrais foram eliminadas”. Em Tubarão muitas células cerebrais se dispersaram no caminho para dar lugar ao espetáculo hollywoodiano em grau máximo; num sentido diferente há puerilidade tanto no belo filme francês de Varda quando no artesanalmente bem montado megassucesso de Spielberg. Uma mesma pessoa dificilmente irá interessar-se pelos dois filmes: ou defende um ou defende outro, Pauline tem o seu, este comentarista tem o seu, à margem é possível ver as limitações de um e outro conceito de cinema.

A história de Tubarão é simples, quase anedótica. Começa com a morte na praia duma mulher. Depois entram em cena os que vão investigar: o chefe de polícia Martin Brody, o prefeito Larry Vaugh, o oceanógrafo Matt Hooper e o caçador de tubarões Quint. Os conflitos surgem: o político quer tapar o sol com a peneira para preservar o turismo local, o chefe de polícia se vê hesitante entre sua consciência e as pressões políticas, o oceanógrafo é a ciência irritada com a política, o caçador é o lado escrachado e vulgar da narrativa (em certa altura ele tira um pedaço de dente da boca e frequenta a imagem provocativamente desdentado). Hoje, depois das demências políticas e sociais nestes dois anos de pandemia internacional, muitos acoplam a história de Benchley e Spielberg aos dias atuais. No entanto, o que ainda sobressai em Tubarão é a energia cinematográfica típica do cineasta, razão mesmo de ele ter-se tornado um milionário do cinema, sedimentada em outros filmes como Contatos imediatos do terceiro grau (1977), Os caçadores da arca perdida (1981) e E.T. (1982), todos hoje clássicos do cinema de aventuras, para além do gosto particular de qualquer espectador que possa hesitar diante dos neurônios narrativos meio esfarelados do universo de Spielberg. Claro: em momentos posteriores de sua filmografia ele tentou coisas mais sérias ou adultas, como A lista de Schindler (1993) e O resgate do soldado Ryan (1998), mas, bem examinados, estes filmes não fugiam muito ao conceito cinematográfico de Spielberg, que são suas facilidades de encenação dum espetáculo (não por acaso ele reviu Amor, sublime  amor em 2021, embora musical não seja o seu forte) e a ligeireza ficcional com que ele se aproxima de assuntos complexos.

Tubarão não envelheceu. Ele permanece o mesmo filme que se pôde ver nos anos 70 por aqui: vai encantar uns, enfastiar outros, mas, é preciso reconhecer, lá está ele, indelével e permanente. Spielberg faz sua comédia de terror sabendo utilizar os elementos de que dispõe. Tanto a fotografia de Bill Butler quanto a música do mestre John Williams servem a marcar as tensões primárias buscadas por Spielberg. E o trio central de intérpretes (Roy Scheider como o policial, Robert Shaw como o extravagante matador de tubarões, Richard Dreyfuss como o trêfego e irrequieto oceanógrafo vão proporcionar um embate final que se esforça por emular as grandes tragédias clássicas) está perfeito. Tecnicamente muito bem feito (embora eu tenha ouvido de um jovem de hoje que sentiu falta dos efeitos especiais de nosso século XXI— o que é uma consideração anacrônica), Tubarão, em nome do espetáculo cinematográfico à Hollywood, circula facilmente num vazio de idéias; o que, para todos os que em maior ou menor grau fomos educados por Hollywood, nem sempre é fácil de enxergar.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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