Spielberg: A Paixao do Cinema e a Familia Americana
Spielberg cava sua vida est?tica nesta ambiguidade que invade os proprios conceitos de seus espectadores e criticos
Steven Spielberg é uma marca cinematográfica americana. Um pouco um artesão dos modelos de produção do cinema tradicional, um pouco um autor que tem a liberdade (rara na indústria) de ser dono de seus próprios filmes, Spielberg cava sua vida estética nesta ambiguidade que invade os próprios conceitos de seus espectadores e críticos, sejam eles admiradores da primeira fila ou detratores furiosos. Este comentarista confessa que Spielberg nunca lhe fez a cabeça, o que o isola cinematograficamente de muitos de seus amigos cinéfilos, nem o Spielberg das ingênuas e formalmente belas fantasias dos anos 70 ou aquele Spielberg mais “sério” que foi aparecendo ao longo dos anos.
Agora, após a morte de seus pais, a mãe Leah em 2017 e o pai Arnold em 2020, Spielberg põe na tela sua nostalgia narrativa, uma ficção autobiográfica, Os Fabelmans (The Fabelmans; 2022). No centro da trama, a história dum garoto com a obsessão de filmar, suas relações familiares, com a mãe, com o pai, com as irmãs, com os colegas de colégio, especialmente suas relações com a mãe (uma notável interpretação de Michelle Williams). Sammy, a personagem, vive entre a família e o desejo de ser cineasta: como deve ter acontecido sempre com Spielberg, o homem dos “filmes familiares” dos anos 70. No entanto, há sempre algo muito superficial, incomodamente superficial na abordagem que o realizador faz de suas criaturas e de suas possíveis perplexidades. Seu autorretrato padece de certo conformismo, duma complacência que desnatura sua estudada composição de época. Talvez o único momento mais forte cinematograficamente do filme seja aquele em que o adolescente Sammy vai encontrar, no escritório do estúdio, o mítico realizador americano John Ford, com seus silêncios e rompantes cínicos e seu indefectível tapa-olho: é claro que muito da agudeza da cena se deve a esta aparição deslumbrada e deslumbrante do cineasta David Lynch como ator na pele de Ford. E Spielberg logra recriar com precisão de detalhes seu possível encontro com Ford, em tempos longínquos. É pena, somente, que o mais do filme não tenha a consistência estética desta sequência.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br